Por Quézia Marques
Oito horas ao som de jazz, oito horas lendo livros. Era uma combinação perfeita. A garota pequena, de cabelos curtos, perdia horas e horas em tal atividade e não se cansava nenhum pouco. Ela virou a página, seus olhos percorriam atentamente cada palavra e figura. Em um único livro havia informações sobre vários animais. Ela ficou bastante interessada nos lagartos do deserto. Havia grandes variações deles e alguns eram enormes e bem assustadores.
A faixa muda, uma melodia levemente animada ecoa pelo alto-falante instalado no canto da parede, enchendo a pequena e sufocante cabine. O vibrafone, os instrumentos de corda e a bateria tocavam os mesmos acordes, enquanto o saxofone começava a brincar entre espaços de silêncio. No meio da música, como num estalo, ela tomou consciência de que já se encontrava há muito tempo deitada na cama lendo.
Ela desceu do beliche e observou a garota que dormia na cama de baixo. Ela decidiu ir até a cabine do piloto e ver a situação primeiro. Ela acabou pisando nas peças do lego que montava mais cedo. Chegando no local, ela observou pelo painel de controle aquele mar arenoso sem fim. Já o céu estava pintando de pontinhos brancos, alguns piscavam com mais intensidade e outros não.
Voltando o olhar para os controladores da cabine, ela arregalou os olhos ao ver o relógio no canto inferior direito, nele mostrava uma contagem regressiva de vinte e seis minutos.
Atrasadas. Elas estavam muito atrasadas.
A música combinou com o seu estado de espírito. Ela perdeu a noção do tempo. Olívia olhou para o deserto projetado à sua frente. Ela precisava acordar Larissa urgentemente.
Na volta para o quarto, ela pisou novamente nas peças. Ela gritou internamente, como se sua alma tivesse saído do corpo. Mas a culpa era dela, havia esquecido de recolher aqueles brinquedos. Ignorando a dor, ela foi até o quarto e sacudiu Larissa de forma violenta.
— O que foi Lili? — Larissa se mexeu irritada.
Olívia apontou várias vezes para o seu pulso.
— Já está na hora? — A mais velha lutava para abrir os olhos.
Olívia acenou avidamente com a cabeça.
— Ah, caramba! — Larissa se levantou e correu em direção à cabine, de forma inevitável seus pés entraram em contato com as peças de lego. — Olívia! — Ela olhou furiosa para a mais nova, depois respirou fundo e foi até o painel de controle. A mulher mexeu em alguns botões, ajustando a configuração do tanque — É melhor você se arrumar e não esqueça de tirar essas coisas assassinas do chão! — Larissa foi em direção à minúscula cabine que comportava o banheiro.
Olívia, que estava na entrada do quarto, respirou fundo e começou a recolher as peças.
Enquanto isso, uma parte crítica da música ressoava pelo local, todos os instrumentos trabalhavam de forma impressionante e frenética. Seguindo o ritmo acelerado, Olívia guardava as peças dentro de uma caixa velha.
Então, a música desacelerou de forma abrupta, Olívia sorriu e diminuiu o ritmo da atividade. De forma vagarosa, ela jogou as últimas partes na caixa e a guardou debaixo da cama de Larissa.
Uma música se iniciou somente com o som do teclado. Olívia foi até o velho armário e pegou sua roupa cinza e seu capacete. Ela observou o uniforme sorrindo, era inevitável não se lembrar da primeira vez que conheceu Larissa e na aventura em que as duas se meteram posteriormente, bem no meio daquele deserto.
“Jazz no deserto” faz parte da série Autores da Torre, do Projeto de extensão Torre de Babel, da Biblioteca José de Alencar (Faculdade de Letras/UFRJ)