Por Sabrina Barbosa
Com um início impactante, a obra existencialista “O Estrangeiro” de Albert Camus nos introduz a Meursault, um personagem alienado à sua realidade, muitas vezes difícil de se relacionar e visto como antipático pelas pessoas ao seu redor. Devido à sua aparente indiferença, Meursault se vê desconectado da sociedade, o que é demonstrado logo no início, quando ele, ao receber a notícia da morte de sua mãe, não aparenta demonstrar nenhuma emoção.
Logo, ao não esboçar nenhuma reação no enterro da mãe, o personagem estaria sem perceber selando seu destino, que se tornará a trama principal do livro. “O Estrangeiro” é um livro incrível, não apenas por ter um personagem tão diferente das demais figuras da literatura, mas por explorar essa jornada do anti-herói, em que um personagem apático se vê em um cenário peculiar e toma uma decisão fatal que poderia ser evitada caso sua reação para tudo não fosse “tanto faz”.
Sua indiferença sela o destino de Meursault, que mesmo assim, não demonstra emoções significativas, cravando em seu destino a sentença final de sua vida.
Neste livro, três situações são marcantes: a primeira, quando o personagem não se incomoda nenhum pouco com a morte da sua mãe, e de certa forma age como se aquela situação fosse uma grande inconveniência; a segunda, quando um vizinho de Meursault agride uma mulher no quarto ao lado dele, e ele não aparenta estar nenhum pouco transtornado com isso, e ainda depõe a favor do vizinho, ajudando-o a não ser preso. Por fim, a terceira e a mais fatal, quando o personagem vai junto com o vizinho mencionado anteriormente para uma casa de verão, e acaba atirando em um homem árabe. E para piorar a situação, Meursault, incomodado com o Sol, em uma situação que para muitos seria angustiante, não apenas atira uma vez no homem, que depois de cair ainda leva mais quatro tiros.
Aqui é importante notar que os árabes nessa época, em Algiers, na Algéria, que era território francês, não eram exatamente vistos como cidadãos, sofrendo de um certo preconceito que os consideravam uma espécie de subclasse, e que provavelmente, se Meursault tivesse outra personalidade, ele talvez nem fosse preso. No entanto, a apatia do personagem força a justiça francesa a tomar uma atitude perante o acontecimento.
É no tribunal que o ponto mais importante da história é usado contra Meursault. O fato de que ele não chorou no enterro da mãe, e não apenas isso, mas também que logo no dia seguinte ele saiu com a namorada e foram ver um filme de comédia no cinema.
Essa falta de empatia alude ao título do livro e finca o personagem como o estrangeiro, o esquisito, o diferente, que vai contra aquilo que a sociedade rege como sendo o normal. Nesse cenário, as pessoas passam a julgar Meursault com outros olhos, não mais o julgando por matar um homem, e sim por sua falta de emoção perante a morte da mãe e suas atitudes subjacentes.
Precisamos reconhecer que a figura da mãe é muito importante na sociedade ocidental, principalmente por ela ser uma figura semelhante à de Maria, mãe de Jesus. Portanto, em uma sociedade cristã, é inconcebível essa falta de reação advinda de um filho, e no caso do personagem principal, é pior ainda, pois suas atitudes após o enterro reforçam sua indiferença.
No entanto, essa é a maneira com que Meursault age, sua maneira de pensar, de se expressar e de agir são pontos essenciais para a narrativa que fazem o leitor questionar o sentido da vida e das pessoas e até que ponto o ser humano pode ser julgado apenas por ser diferente dos demais.
Afinal, ao longo do julgamento, ao deixar de ser julgado pelo crime cometido, e sim por sua indiferença, Meursault se vê de frente com sua realidade, que alcança um estopim quando o personagem é praticamente forçado por um padre a pedir perdão a Deus. Nessa situação, diferente das demais, Meursault se agita e reage com ódio, porque é neste momento que ele percebe sua real sentença; a falta de liberdade de ser quem ele é, ainda que ele não se encaixe nos parâmetros da sociedade.
Por fim, reconhecemos que Meursault possa ter sido julgado injustamente, tendo sua sentença extrapolada devido à sua personalidade, e não necessariamente apenas pelo crime. Ainda que, obviamente, ele deva pagar pelo assassinato. No final, o nosso anti-herói recebe sua sentença, que se opõe à jornada do herói padrão, trazendo a morte do protagonista e nos induzindo a refletir sobre o existencialismo.
Esta resenha faz parte da série Autores da Torre, do Projeto de extensão Torre de Babel, da Biblioteca José de Alencar (Faculdade de Letras/UFRJ)