Por Juliana de Souza
O filme Tigers (2014) baseia-se na história real de Syed Aamir Raza Hussain, ex-funcionário da Nestlé que atuava no Paquistão. Assim como no filme, Syed, representado pelo personagem chamado Ayan (Emraan Hashmi), denunciou a indústria de alimentos infantis com a ajuda de organizações, após perceber o impacto que estava tendo em sua população.
Logo no início do filme, a desvalorização dos produtos locais é abordada. O personagem principal tenta vender os produtos nacionais, que eram muito mais baratos, mas é rejeitado muitas vezes, principalmente pela falta de confiança da população. Um dos médicos ainda diz que as pessoas preferem gastar mais para terem a “embalagem bonita” só por ser de uma multinacional.
Ayan, que até então era vendedor de remédios locais, se tornou um representante da Nestlé no país, chamado de “Lasta” no filme. A partir disso, ele começa a usar estratégias indicadas pelos seus superiores para conseguir promover a marca pela região em que era responsável, pressionando os médicos com presentes e dinheiro para que eles promovam a fórmula infantil como a opção mais saudável para os bebês.
No momento em que é contratado, Ayan e os outros funcionários passam por “aulas” sobre as qualidades dos produtos e recebem um tratamento motivacional, que justamente dá o nome ao filme, quando são chamados de “Tigres”. Durante esse processo, vendem que a empresa oferece a melhor qualidade e o melhor produto para que o vendedor consiga passar isso para o público.
Porém, pela denúncia de um médico que se tornou seu amigo, Ayan descobre que o incentivo às fórmulas como substituição da amamentação está fazendo com que diversos bebês morram desnutridos nos hospitais, já que não teriam a proteção que o leite materno conseguiria fornecê-los. Além de muitas mães diluirem o produto em água não potável, aumentando ainda mais o risco de uma contaminação, causando diarreia e possíveis mortes por desidratação e desnutrição.
Depois de descobrir todos esses problemas, mesmo com um padrão de vida muito acima do que sua família vivia, Ayan se demite do emprego e começa a tentar expor as práticas antiéticas cometidas por praticamente todas as multinacionais que atuavam naquela região. O ex-vendedor começa a receber ameaças e tentativas de suborno, mas passa por cima de tudo isso e continua na sua batalha de alertar a população.
A realidade que é mostrada nesse filme aponta um mercado da alimentação que visa exclusivamente o lucro e, apesar de tentar vender com uma boa imagem, negligencia o bem-estar humano e o equilíbrio nutricional dos consumidores. Por meio de publicidades apelativas, tendo consciência da vulnerabilidade do seu público, as marcas aproveitam para tentar vender o máximo possível. Em locais em situações precárias, a grande maioria da população não tem o menor conhecimento sobre aquilo que está sendo indicado a comprar pelo próprio médico, que está sendo influenciado de forma não ética por essas multinacionais.
É importante ressaltar também que a crítica de Tigers não se dá apenas às multinacionais, mas também sobre o papel do Estado nessas situações. A falta de acesso à água, ao saneamento básico e às condições básicas de saúde, além da falta de estímulos socioeducacionais e de mecanismos que auxiliem a população a obter uma alimentação mais saudável e adequada possível. Em muitos casos em que não há informação e as famílias precisam trabalhar por muitas horas por dia para sobreviverem, esse tipo de alimentação se torna uma opção ainda mais atrativa, principalmente quando há uma intensa publicidade sobre as possíveis “qualidades” do produto.
Entrando em uma questão ainda mais profunda, o sistema capitalista do consumo faz com que famílias que consigam comprar certos tipos de produtos se sintam parte de uma classe social diferente da sua, mesmo que muitas vezes tenham que abdicar de outras necessidades básicas para isso. Essa ilusão de pertencer a outra classe social só aumenta essa disparidade, fazendo com que essas pessoas vivam cada vez mais na precariedade.
Em suma, o filme nos vai refletir sobre como a publicidade afeta nosso consumo, principalmente de alimentos, mesmo em situações em que o público-alvo do produto não é apenas o que está consumindo. Essa problemática tem sido cada vez mais drástica na forma de sociedade em que estamos inseridos, onde vivemos rodeados de marcas nos influenciando a todo momento. É essencial ter o conhecimento para poder entender a necessidade desse alimento no dia a dia e se faz algum sentido ele estar ali e, para isso, o Estado deve ser capaz de fornecer essa informação para a população geral, evitando que sejam enganados por propagandas de má fé.
Esta resenha faz parte da série Autores da Torre, do Projeto de extensão Torre de Babel, da Biblioteca José de Alencar (Faculdade de Letras/UFRJ)