Por Giovanna Xavier
“Flores de Plástico”, estreada em 1989 pela banda Titãs, descreve de forma poética e visceral a experiência de ter depressão, capturando a desconexão e o esgotamento emocional de quem porta tal condição. A música utiliza imagens poderosas e contrastantes para expressar o desejo de não sentir mais nada, enquanto o eu lírico vive numa busca por uma existência com menos demanda emocional. A vontade de tornar-se uma flor de plástico demonstra esse desejo de ser livre das exigências da vida real.
“Olhei até ficar cansado
De ver os meus olhos no espelho.”
Logo no início da letra, o eu-lírico confessa estar cansado de sua própria imagem. Esses versos podem ser interpretados de duas maneiras: ou ele está cansado de si mesmo e de sua existência, ou ele passou longos momentos refletindo sobre suas escolhas e sentimentos diante do espelho. É como se ele estivesse em um estado constante de autocrítica e de desconforto com sua própria identidade.
“Chorei por ter despedaçado
As flores que estão no canteiro.”
A segunda linha da estrofe expressa arrependimento e tristeza. Nesse caso, as flores podem simbolizar lembranças, relacionamentos ou momentos que, mesmo bonitos, foram destruídos por ele próprio, talvez em um acesso de raiva, tristeza ou uma sensação de indignidade. A dor de ver algo valioso desfeito e, ainda assim, próximo de si, ilustra a luta interna do eu-lírico, que se sente responsável pela destruição das coisas boas em sua vida.
“Os punhos e os pulsos cortados
E o resto do meu corpo inteiro.”
Este verso sugere a presença de automutilação, um sinal comum de depressão, onde a dor física se torna uma forma de aliviar o sofrimento emocional. O eu-lírico se encontra em ruínas, tanto física quanto emocionalmente, expressando a profundidade de sua angústia de forma crua e direta.
“Há flores cobrindo o telhado
E embaixo do meu travesseiro
Há flores por todos os lados
Há flores em tudo que eu vejo.”
Em contraste, a estrofe seguinte introduz a imagem das flores cobrindo vários lugares. Aqui, as flores podem representar a vida e sua constante presença, algo que o cerca, mas do qual ele não se sente parte. Embora as flores estejam em toda parte, simbolizando vitalidade e crescimento, o eu-lírico se sente desconectado dessa energia vital, sugerindo que, enquanto a vida continua ao seu redor, ele permanece em um estado de estagnação.
“dor vai curar essas lástimas”
Na terceira estrofe, a dor emocional é reforçada pela ideia de que apenas a dor física pudesse ser capaz de acalmar o sofrimento interno. Ele menciona que o
“soro tem gosto de lágrimas,”
A comparação do fluido intravenoso ao gosto salgado das lágrimas reforça a conexão entre sua dor física e emocional. Para ele, a tristeza e a dor são aspectos inseparáveis de sua existência.
“As flores têm cheiro de morte,”
Embora flores sejam associadas à vida e beleza, elas também são usadas em funerais, representando luto e despedida. Assim, as flores que o cercam evocam a morte, mostrando que, para ele, a vida é um lembrete constante de sua própria mortalidade e das perdas que ele enfrenta.
“As flores de plástico não morrem,”
Revela o desejo do eu-lírico de se tornar algo inanimado, como uma flor de plástico. Essas flores artificiais não exigem cuidados, não murcham e permanecem sempre as mesmas – exatamente o oposto das flores vivas, que demandam atenção e cuidado. Ao desejar ser uma flor de plástico, o eu-lírico expressa a vontade de escapar do sofrimento e das exigências da vida, escolhendo, ao invés disso, uma existência sem altos e baixos, livre de emoções e responsabilidades.
“Flores de Plástico” oferece uma representação comovente da depressão, ilustrando a desconexão com a própria vida e a idealização de uma existência sem dor. Com uma melodia animada, mas uma letra intensa e sombria, Titãs transmite a complexidade dessa condição de forma acessível e reflexiva, lembrando-nos da importância de enxergar além das aparências e de buscar ajuda nos momentos difíceis.
Esta análise faz parte da série Autores da Torre, do Projeto de extensão Torre de Babel, da Biblioteca José de Alencar (Faculdade de Letras/UFRJ)