Por Marina Vieira
No poema “Canto dos Palmares”, o autor busca reconstruir a memória ancestral, a autoestima e a história através da escrita épica.
Solano escreve os versos na primeira pessoa (Eu/Nós), narrando a história de dentro dos acontecimentos.
Este poema é um claro exemplo da característica de resistência que ressaltamos sobre o autor anteriormente. “Canto dos Palmares” dá lugar à fala dos cativos africanos, às suas aspirações e vai contra o conveniente esquecimento a respeito da colonização na África e toda a barbárie protagonizada por seus opressores.
Solano faz às vezes de um Griot – sujeito que tem como vocação preservar e transmitir as histórias, conhecimentos e mitos do seu povo – repassando narrativas históricas tão importantes para a harmonia da tribo. Nessas narrativas eram revividos atos heroicos realizados pelos próprios habitantes tribais. Ele conta a saga da vida do escravo fugitivo, a resistência dos quilombos, e como aqueles homens e mulheres lutaram para reconstruir suas vidas e suas identidades.
A épica afro-brasileira (fundada por este texto) surge para descentralizar a hegemonia da escrita colonizadora. Esta subverte o conceito das epopeias aristotélicas que projetavam uma interpretação de “homens superiores” (a monarquia em geral), sendo nessa épica o herói da ação um escravo fugitivo, um “fora-da-lei”. A ação heroica é de “nobreza”, e essa nobreza é praticada por Zumbi e outros servos negros, enquanto a ação de violência e carnificina se vê representada na figura dos ricos senhores de engenho desalmados e suas armadas.
A escrita de Solano se assemelha à força engajada dos rappers brasileiros do final do século XX. Ambas têm caráter combativo, em primeira pessoa e formato de metapoema.
Ao narrar na primeira pessoa, o poeta encarna as vozes daqueles quilombolas, a sua espiritualidade e coragem, representando assim as utopias do negro socialmente e culturalmente excluído.
Por fim, esta obra desmascara o falso conceito da “civilização branca”, expondo suas contradições e caráter desumano escondido atrás de sua fé “redentora”, que por sua vez ignora os males feitos à população de Palmares, fechando os seus olhos para a violência cometida.
Esta resenha faz parte da série Autores da Torre, do Projeto de extensão Torre de Babel, da Biblioteca José de Alencar (Faculdade de Letras/UFRJ)