Por Flora Cruz
O primeiro livro da coleção “Garotos Mortos”, do brasileiro Mark Miller, tem início com Tommy, o personagem principal, em seu quarto. Talvez isso pareça um início clichê — afinal, quantos são os livros que começam com o protagonista em seu quarto, fazendo o ordinário? —, mas Miller transforma o banal em cativante quando, ao contrário do que a moda pede, Tommy encontra-se inquieto e totalmente tomado pelo desespero.
O primeiro capítulo, assim como o personagem, tem ritmo agitado e beira a confusão, em especial por não sabermos o que aconteceu para causar tamanho agito, mas logo o autor nos leva para algumas horas antes de onde começamos e as peças passam a se encaixar.
Ao contrário do esperado, o passado nos leva a Tommy e Matt trocando carícias atrás da arquibancada da escola logo após a aula. Escondidos, naturalmente. Afinal das contas, Matt é o jogador de basquete mais popular do colégio Eastview, e não acha que seria de bom tom um cara como ele se relacionar com outros homens. Juntos, os garotos se levantam e vão rumo a saída do colégio agora vazio.
É importante ressaltar que até então, a escrita do autor se restringe muito mais a escrever sobre ações e espaços do que sentimentos e a atmosfera da história, o que não exatamente atende ao meu gosto pessoal, mas não vem a ser uma falha e, felizmente, logo muda.
Voltando para o conto em si, Matt e Tomas se deparam com um barulho estranho vindo de uma das salas e, como em todo livro (e filme) de terror, ambos os garotos vão em busca de quem quer que esteja por lá mesmo que nós, espectadores, estejamos pedindo veementemente para que não o façam. Os alunos de Eastview, então, deparam-se com Alexis, um de seus colegas, sendo assassinado por uma pessoa encapuzada e de rosto escondido.
Os garotos fogem, é claro. Fogem tanto que acabam parando num lugar qualquer, apenas para que simplesmente ficassem distantes da cena em que presenciaram e, mais importante de tudo, do assassino. A segunda parte, todavia, sem muito sucesso. Isso porque Tomas rapidamente recebe mensagens do criminoso ameaçando contar sobre o relacionamento entre Tommy e Matt, caso falassem sobre o que presenciaram.
Ao contrário do que eu esperava, o livro não apenas cita as mensagens, mas mostra prints da conversa, fazendo com que os personagens se tornem mais próximos dos leitores. Na verdade, creio que tenha sido o que mais gostei em todo o livro. Além disso, com os prints, notamos que o assassino assinou as siglas seu nome, fazendo-nos crer que se sente seguro o bastante para se expor assim.
Me parece que temos um assassino psicopata e narcisista, caros leitores.
A história, por sua vez, volta ao presente e Tommy se vê no horário de ir para a escola. É claro que, após uma noite de total inquietação e uma série infindável de vômitos, o protagonista cogita a hipótese de faltar à aula, mas receia que isto irrite o assassino ou então o faça perder a bolsa de estudos na famosa (e extremamente cara) Eastview.
Após se arrumar para a aula, o livro finalmente introduz os pais adotivos de Tommy, Edgar e Laura, e, apesar de nitidamente serem pais amorosos e esforçados, há uma relação dicotômica e muito interessante entre pais e filho: apesar de não os considerar pais de verdade e ter certo desprezo por eles (provavelmente como uma forma de se proteger causada por todos os traumas de ser uma criança mandada para adoção, afinal, Tomas havia entrado para a família havia poucos meses), o protagonista ainda sabe que são boas pessoas e que os trata injustamente.
O relacionamento entre Matt e Tomas, por sua vez, é absolutamente desprezível. É claro que não é fácil assumir-se como pertencente à comunidade LGBTQIAP+, mas Matt não apenas quer esconder o namorado, como o manipula terrivelmente para que o bolsista não conte sobre o assassinato, além de não atender qualquer ligação de Tommy após o ocorrido. Honestamente, espero que eles se separem o mais rapidamente possível. E que o Tomas vá fazer terapia.
Parecendo ainda ter muito o que contar, o livro acaba com Edgar, que é um policial, descobrindo que houve um assassinato no colégio em que o filho estuda.
O livro, portanto, não tem unidade alguma, assim como os personagens não têm arco nenhum. Mesmo que se trate de um conto, o esperado é que o autor contasse uma história completa; com começo, meio e fim, mas isso não acontece. Ainda assim, vejo potencial na história como um todo e espero que se faça mais concisa com o tempo. Para os leitores infanto-juvenis e para aqueles com um pouquinho de paciência, essa coleção realmente parece ser uma excelente sugestão.
Esta resenha faz parte da série Autores da Torre, do Projeto de extensão Torre de Babel, da Biblioteca José de Alencar (Faculdade de Letras/UFRJ)