João Pedro Mafalda Ribeiro
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Junho de 94, o rap como uma mensagem antirracista.
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O rap é um estilo musical que surgiu por volta da metade do século XX vindo dos Estados Unidos da América. Na realidade, o termo “rap” é uma abreviação em inglês da expressão “Rhythm and Poetry”, que quando traduzido em português significa “Ritmo e Poesia”, e não há definição mais clara e objetiva do que isso. Apesar de ser muito associado à população negra norte-americana, o rap está presente em todas as partes do mundo, superando fronteiras e abrangendo diversas culturas, sendo um gênero musical muito forte e popular no Brasil, principalmente entre jovens e adultos pretos.
Inicialmente, as letras do rap falavam sobre coisas mais alegres e divertidas, como festas e festivais. Com o passar do tempo, passou a ser mais utilizado para relatar coisas que aconteciam no cotidiano da população negra, com composições mais reflexivas, que contavam histórias da própria vida do rapper, que é o nome dado ao intérprete da música, ou de acontecimentos de seu dia a dia e onde morava; também passaram a abordar questões políticas, o racismo, a violência policial, a pobreza etc. Essas questões podem ter sido sofridas pelo próprio rapper, por pessoas próximas a ele ou que tenha visto acontecendo com outra pessoa da mesma cor de pele que a dele. Sendo assim, o rap é uma ferramenta de expressar emoções, sentimentos, defesa de ideais e relatar a realidade, que é muito diferente do que vemos na televisão, jornais e na internet.
No cenário brasileiro, surgiu poucos anos atrás um fenômeno do rap nacional, seu nome é Gustavo, com o nome artístico de Djonga. O rapper oriundo de Minas Gerais ganhou notoriedade através de seu primeiro álbum em 2017 intitulado “Heresia” e chamou atenção dos ouvintes do gênero musical por sua característica agressiva mas não ofensiva com as palavras, sem medo de falar a verdade, a realidade, utilizando uma linguagem informal e com palavras que são de cunho popular. Porém, esta resenha vem apresentar a letra de uma música do álbum seguinte chamado “O menino que queria ser Deus”, lançado no ano seguinte, em 2018 e que fez Djonga virar um fenômeno do rap brasileiro.
A letra da música “Junho de 94” é uma das mais marcantes do álbum e uma das minhas favoritas do gênero musical. Ganhadora de prêmios na revista Rolling Stones como melhor faixa e melhor álbum, nesta letra o rapper relata elementos de seu próprio cotidiano.
Logo na primeira linha da canção, Djonga diz: “Tentando dar o meu melhor na minha pior fase”, o que nos quer dizer que mesmo com todos os problemas que haviam acontecendo na vida do cantor, ele continuou na luta para conseguir ter uma vida melhor e nunca pensou em desistir. No clipe da música, Djonga aparece em 2 cenários sentado à mesa, sendo em um desses de uma família preta e pobre e na segunda sentado com uma família branca e rica, mas com um detalhe: em ambos aparece com uma corda no pescoço, fazendo uma representação de que uma pessoa preta e pobre no Brasil já nasce com ela, mesmo que consiga ascender socialmente, tanto que em outra trecho da música ele diz: “Chegar aqui de onde eu vim/É desafiar a lei da gravidade/Pobre morre ou é preso nessa idade”, e na época do lançamento da música, o cantor tinha 24 anos de idade. É uma mensagem muito forte e que nos faz refletir sobre o que acontece em nosso país, onde é comprovado que a cada 23 minutos morre um jovem negro no Brasil.
Outro trecho interessante é onde o rapper diz: “Antigamente enfrentar medo era fugir de bala/Hoje em dia enfrentar medo é andar de avião”, ou seja, referindo a sua vida antes da ascensão social através da música, quando não sabia se chegaria vivo em casa devido a violência ocasionada pelas armas de fogo, e agora seu medo chega a ser, de certa forma, banal em relação ao antigo, nos mostrando uma grande mudança de vida. No decorrer da música, há um trecho que ressalta a infelicidade que alguns artistas possuem, quando canta: “Tirei várias pessoas da depressão/Mas não consigo dar um só riso/Seu reflexo é mais cruel que a imagem de qualquer um/Disso aí morreu Narciso”. Aqui, Djonga faz questão de dizer que mesmo possuindo dinheiro e fama e sendo uma referência, ele ainda sente um vazio dentro de si, e que se deixar se levar por isso, pode acabar com sua vida, pois irá focar apenas em si mesmo, com isso faz uma analogia à Narciso, o personagem da mitologia grega que fica obcecado com sua própria imagem na beira de um rio e isso o leva a sua morte.
O refrão da música “o menino queria ser Deus”, que dá o nome ao álbum, é uma expressão que Djonga utiliza para falar sobre si mesmo quando era pequeno. Diante de tantas dificuldades enfrentadas por ele, o rapper diz que “ser Deus” era poder consertar e ter tudo o que quisesse, para assim melhorar a condição de vida de sua família, conseguindo tudo o que ele ou eles quisessem.
Em resumo, a letra nos passa diversas mensagens diferentes em uma espécie de narrativa da própria vida do cantor, nos mostrando que não é fácil chegar aonde ele chegou, sendo a pessoa que ele é e de onde veio. Importante ressaltar que o rap tem um estilo próprio em suas composições, portanto, o autor utiliza palavrões durante a música, mas para dar ênfase aos fatos de uma forma bem mais direta, que realmente é para incomodar. O título
“Junho de 94” se refere ao mês em que nasceu, e por ter nascido preto e pobre, é a partir daí que a sua luta começa, assim como a de milhões de jovens pretos no Brasil. Com isso, fica a recomendação para uma verdadeira aula de reflexão de uma letra profunda, que com um excelente beat, vai te fazer curtir e refletir ao mesmo tempo.
REFERÊNCIAS
DJONGA, Djonga. O menino que queria ser Deus. YouTube, 2018. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=GuYgMTAVVI0&ab_channel=Djonga>. Acesso em 14/09/2022
Psicologia Rap. PSICÓLOGO ANALISANDO- Djonga – JUNHO DE 94 (Clipe Oficial). YouTube, sem data. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=muTJ2FTVYd0&ab_channel=PSICOLOGIARAP> Acesso em 15/09/2022
Conceito de rap. Conceito de rap, 2015. Disponível em: <https://conceito.de/rap> Acesso em 14/09/2022 Marcos. A ascensão de Djonga: “o menino que queria ser Deus”. Marcos Vinicius Xas, 2018. Disponível em: <https://marcosviniciusxas.medium.com/analise-do-%C3%A1lbum-djonga-o-menino-que-qu eria-ser-deus-7206ddef88d4> Acesso em 14/09/2022