Por Vitor da Hora
Relançado recentemente dentro do contexto de comemorações do centenário da Semana de Arte Moderna de 1922, Parque Industrial é um dos principais marcos do modernismo na literatura nacional – embora a participação de sua autora, Pagu, no movimento tenha sido subestimada por muitos anos, sendo lembrada com mais frequência por sua vida pessoal do que pelo mérito de sua obra. Patrícia Rehder Galvão, que viria a se tornar conhecida como Pagu, nasceu em 1910 no município de São João da Boa Vista, no interior paulista, em uma família de classe média alta; Pagu se tornou célebre por sua personalidade vanguardista, para os padrões sociais das mulheres à época, e pelo sua militância dentro do Partido Comunista do Brasil, com o qual rompeu em 1945 – teve uma vida agitada marcada por prisões políticas e por dois casamentos, com os modernistas Oswald de Andrade (1930-1934) e Geraldo Ferraz (1941-1962). Morreu aos 42 anos, em depressão, vitimada por um câncer pulmonar. Figura canônica do modernismo brasileiro e considerada um ícone feminista, foi retratada e homenageada diversas vezes na cultura popular: como em um filme biográfico dirigido por Norma Benguell e a canção de Rita Lee batizada em sua homenagem.
Parque Industrial é o primeiro romance escrito por Pagu, publicado originalmente sob o pseudônimo de Mara Lobo, em 1933. Situado no bairro do Brás, na capital paulista, o enredo narra a história de um grupo de operárias – Otávia, Rosinha Lituana, Corina, Matilde e Eleonora – e retrata os maus tratos sofridos pelo operariado urbano numa época anterior ao dos primeiros direitos trabalhistas: trazendo as especificidades das violências de cunho misógino, incluindo abusos sexuais, sofridos pelas mulheres operárias, e de cunho racista contra personagens negros. Enquanto a maior parte do grupo é considerada como alienada à exploração que sofre, Otávia, Rosinha e posteriormente Matilde representam a consciência de classe necessária para deflagrar uma revolução socialista. Como registrado em sua autobiografia precoce, Pagu tinha a intenção de escrever um romance revolucionário, e o livro é considerado o primeiro romance proletário publicado no Brasil. Escrito em um contexto pós Revolução de 30, no qual houve um crescimento do PCB – que viria a ser interrompido após o fracasso do Levante de 1935 – além da valorização do papel social do trabalhador na retórica da Era Vargas (1930-1945), o texto de Pagu se tornou um importante documento histórico ao retratar o crescimento industrial em São Paulo nas primeiras décadas do século XX, bem como as idéias comunistas que começavam a ganhar espaço no debate público nacional após o surgimento do partido, em 1922. No enredo há a presença de socialistas históricos como Karl Marx, Friedrich Engels – transformados em personagens no livro – e Rosa Luxemburgo. Citando o prefácio da reedição de 1994, muitos podem considerar Parque Industrial ingênuo – por se tratar de um curto romance escrito por uma jovem com apenas 21 anos – e demasiadamente panfletário, mas são estas características que ressaltam a singularidade da obra: retratar as transformações pelas quais o Brasil (e o mundo) passava na virada de década de 1920 para 1930, na esperança da consumação da utopia socialista, mas por um olhar muito independente da autora – independência que gerou atritos e levou Pagu a ser considerada audaciosa pelo próprio PC. Embora paradoxalmente pretensiosa e simplória, a obra é uma porta de entrada interessante para conhecer o universo de uma das principais personalidades do Modernismo brasileiro.