Por Natália Moraes
O livro “Ainda estou aqui” é uma das mais bonitas homenagens literárias que já li. Esse livro foi uma forma de enaltecer a história de uma mulher que deu tudo de si para a vida e, principalmente, para a família.
Eunice Paiva (1929-2018) é descrita em vários veículos de comunicação como uma mulher de muitas vidas, provavelmente por conta de quantas coisas fez e foi atrás de tornar realidade.
Casada com Rubens Paiva (1929-1971), que foi caçado e morto pela Ditadura Militar, se viu responsável por cinco filhos sozinha, incluindo o autor do livro, Marcelo Rubens Paiva. Além disso, teve que lidar com o contexto criminoso, cruel e misterioso em que seu marido foi envolvido. O livro detalha a vivência de Marcelo ao ver a mãe e a família naquela situação, as lutas, os discursos e os medos. Além disso, disserta bastante sobre os acontecimentos no Brasil em volta da Ditadura Militar e dos mistérios e histórias mal contadas da época, a fim de entender o que poderia ter acontecido de fato com Rubens Paiva.
Não esquecendo que Eunice, no meio de todos esses acontecimentos, continuava sendo uma mulher em descoberta e em uma verdadeira metamorfose pessoal, profissional e familiar.
Quando é possível imaginar que Eunice estava sobrecarregada, ela decide voltar a estudar e se tornar advogada. Eunice é mãe, mulher, guerreira, defensora dos indígenas, comunicadora, batalhadora e foi diagnosticada com a doença de Alzheimer.
Com essa doença, o livro não só aborda a trajetória de luta e persistência da mãe, como disserta a passagem difícil de uma mulher tão grandiosa sendo tomada pelo Alzheimer. Eunice não deixou de ser exemplo, apenas esquecia disso de vez em quando. Porém, é nítido que ao longo de toda a escrita de Marcelo Rubens Paiva, o livro tem a intenção de esclarecer que tanto ele mesmo, como várias outras pessoas, não a esqueceram.
Esse livro é uma declaração de amor e carinho de seu filho para sua mãe. É sobre a luta contra a Ditadura Militar e as mazelas que ela deixou, é sobre a história de muitas famílias brasileiras, do nosso país. Esse livro é sobre o Alzheimer. Mas não esqueça que esse livro, acima de tudo, é sobre uma mulher, mãe, justiceira e guerreira, e o seu poder e determinação de cuidar de si mesma, dos seus filhos e do devido reconhecimento do marido, Rubens Paiva, dentro da catástrofe que foi a Ditadura.
“Ainda estou aqui” fala de uma memória de vida de uma pessoa diagnosticada com uma doença que nos faz esquecer como chegamos onde chegamos. “Ainda estou aqui” é um lembrete público do que foi Eunice Paiva.
Esse livro é uma escrita fluida demais, mesmo com um conteúdo tão delicado. É inspirador, muitas vezes revoltante, mas emocionante. Não é uma surpresa se emocionar ao longo dele.
Esta resenha faz parte da série Autores da Torre, do Projeto de extensão Torre de Babel, da Biblioteca José de Alencar (Faculdade de Letras/UFRJ)