“Como Falam os Brasileiros”, Yonne Leite e Dinah Callou

Por Kelly Menezes

O livro, Como falam os brasileiros, convida os iniciantes e graduados em letras a refletir sobre as questões relacionadas à diversidade linguística brasileira, analisando diferentes cenários regionais. As autoras Yonne Leite (doutora em linguística pela universidade do Texas e docente no Programa de Pós-graduação em Antropologia Social do Museu Nacional/UFRJ) e Dinah Callou (doutora em língua portuguesa e professora-titular do Departamento de Letras Vernáculas da UFRJ) alertam para a presença do preconceito linguístico no Brasil e como ele está enraizado na cultura do país. 

A obra possui 73 páginas e está organizada em 15 capítulos: “Introdução”; “Uma visão geral do Brasil: o mito de homogeneidade”; “Assumindo a diversidade”; “O falar carioca no conjunto dos falares brasileiros”; “Sexo, idade e variação linguística”; “Para uma caracterização dos falares brasileiros”; “A fonética da fala culta”; “Os sotaques sintáticos da fala culta”; “Normas, pluralismo, etc.”; “Traçando linhas imaginárias”; “Voltando ao começo”; “Cronologia”; “Referências e fontes”; “Sugestões de leitura”; e, por fim, um breve capítulo “Sobre as autoras”.

Na “Introdução”, destaca-se a complexidade da língua portuguesa e as influências causadas pelo dialeto variado no cotidiano brasileiro. Em seguida, no capítulo chamado “Uma visão geral do Brasil: o mito da homogeneidade” é apresentado um dos temas mais relevantes do livro, pois alerta sobre a crença da uniformidade do português brasileiro. Além disso, expõe os primeiros indícios da desigualdade social e, consequentemente, alguns aspectos que induzem o preconceito linguístico. 

No segundo capítulo da obra “Assumindo a diversidade”, as autoras revelam seis tipos de falares nativos – classificados pelo filólogo carioca Antenor Nascentes – que são: o amazônico, o sulista, o mineiro, o nordestino, o baiano e o carioca. Esse último é agraciado no livro com o terceiro capítulo, “O falar carioca no conjunto dos falares brasileiros”, apresentando estudos realizados há 80 anos atrás por Nascentes que – ao considerar-se um legítimo representante do dialeto carioca – criou uma monografia baseada no seu próprio falar.

No decorrer dos capítulos, “Sexo, idade e variação linguística” e “Para uma caracterização dos falares brasileiros” Leite e Callou, tratam de outros fatores extralinguísticos, como: faixa etária, gênero, classe social, características culturais, esclarecendo que certas variações linguísticas são provenientes de aspectos específicos. Ademais, por possuir um cunho pedagógico, a obra cita com maestria alguns fatores gramaticais que interferem no dialeto, como a fonética, a sintaxe e os encontros vocálicos. Conforme é retratado no sétimo capítulo, “A fonética da fala culta”, no qual são apresentadas algumas ilustrações de gráficos, com relatos detalhados dos resultados.

Por outro lado, com uma descrição mais breve, o oitavo capítulo, “Os sotaques sintáticos da fala culta”, explora o tema sobre os principais fenômenos sintáticos presentes no cotidiano do falante brasileiro, são eles: o artigo definido diante de nomes próprios e de possessivos; alternância “nós” / “a gente”; e uso de “ter” e “haver” em construções existenciais. Essa parte apresenta análises feitas com base no corpus, que fazem parte do Projeto NURC (Projeto de Estudo da Norma Linguística Urbana Culta). Certamente o nono capítulo, “Normas, pluralismo, etc.”, segue o mesmo viés do tópico anterior, porém é mais instrutivo, visto que busca discutir o contraste entre os padrões impostos pela gramática normativa e o pluralismo do português brasileiro.

Nos capítulos finais, as autoras exploram os hábitos linguísticos de cada região – fatos esses que, de modo esclarecedor, são analisados no décimo capítulo, “Traçando linhas imaginárias”, em que elas anulam o mito de que o Rio de Janeiro é possuidor do dialeto “padrão médio”, fato esse discutido nos primeiros capítulos da obra. E por fim, os últimos argumentos são relatados no décimo primeiro capítulo, “Voltando ao começo”, no qual a obra apresenta uma retomada ao passado, esclarecendo as influências linguísticas geradas desde a época da colonização do Brasil até os dias atuais. 

Sem dúvida, a maior contribuição do livro é alertar, de maneira didática e inspiradora, a importância de eliminar os entraves gerados pelos preconceitos linguísticos – além de apresentar um texto de fácil compreensão até mesmo para o mais leigo leitor. Ademais, expõe de maneira objetiva algumas variedades linguísticas estigmatizadas pela sociedade como o “falar errado” e o “dialeto caipira” e como eles estão enraizados na cultura e no cotidiano do brasileiro. De acordo com o texto “Português do Brasil: a variação que vemos e a variação que esquecemos de ver”, dos autores Rodolfo Ilari e Renato Basso, a imagem do “caipira” está sempre associada ao modo de falar – descrito pela falta do “r” em finais de palavra ou a troca de letras, como “l” pelo “r”  (exemplo:  animal é pronunciado animar ou animá). Esse tipo de analogia causa segregação social e dificulta o ensino da própria língua nas escolas.

Outro ponto positivo da obra, Como falam os brasileiros, é a discussão acerca da dificuldade de vencer o preconceito linguístico – uma vez que a mídia e a pressão social influenciam negativamente por induzirem a depreciação a respeito da diversidade linguística. Isso faz lembrar que, em meados dos anos 80 e 90, grandes humoristas nordestinos como Chico Anysio e Tom Cavalcante eram motivados a criar e interpretar personagens que satirizavam o dialeto de seus conterrâneos, esse comportamento infelizmente perdura até hoje. É notório que tal cenário demonstra como certas atitudes, mesmo que pareçam inofensivas, acarretam na disseminação do preconceito linguístico, e por isso não devem ser estimuladas.

Seguindo o mesmo raciocínio o texto “Por uma sociolinguística militante”, de autoria do renomado escritor Marcos Bagno, ressalta a importância da sociolinguística educacional como instrumento de combate aos obstáculos gerados pelos preconceitos linguísticos. O ponto de vista de Bagno contribui positivamente para defesa da diversidade linguística, principalmente por apresentar no seu livro uma das pioneiras da sociolinguística educacional – a sociolinguista Bortoni-Ricardo – que investiga de maneira empática diferentes ambientes e culturas no intuito de garantir a inclusão e a equidade no processo pedagógico. Portanto, isso só reforça a sentença de que a obra “Como falam os brasileiros” é imprescindível para todos os estudantes de letras e amantes da língua portuguesa, sobretudo para aqueles que lutam e respeitam a pluralidade no modo de falar dos cidadãos de uma mesma região, cultura ou país, até porque uma das maiores riquezas do Brasil é sua extensa diversidade cultural e linguística.

.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

BAGNO, M. “Por uma sociolinguística militante” in Preconceito linguístico: o que é, como se faz. São Paulo: Loyola, 2009.

ILARI, R.; BASSO, R. “Português do Brasil: a variação que vemos e a variação que esquecemos de ver” in O português da gente: a língua que estudamos, a língua que falamos. São Paulo: Contexto, 2006. p. 151-196.

LEITE, Y.; CALLOU, D. Como falam os brasileiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, Série Descobrindo o Brasil, 2002.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *