“Conversa entre amigos”, Sally Rooney

Por Yasmin Montebello

“Conversa entre amigos” e os novos romances

Apesar de Sally Rooney ter ganhado maior notoriedade com Pessoas normais (2018), sobretudo pela premiada adaptação homônima de 2020, seu primeiro romance foi Conversa entre amigos (2017). Com ele, a autora irlandesa iniciou seu processo para o firmamento na literatura jovem contemporânea ao discutir vínculos interpessoais atravessados por interferências como as relações de poder e falhas na comunicação. Chegou a ser considerada o fenômeno literário da (última) década pelo jornal britânico Guardian e se tornou um sucesso por todo o mundo.

O romance de estreia de Rooney seleciona um fragmento da vida da jovem Frances, universitária do Trinity College e recém introduzida na casa dos vinte anos. Publicada no Brasil pela Alfaguara e traduzida por Débora Landsberg, a obra recebeu adaptação pela Hulu como uma minissérie de doze episódios — mesmo formato de Pessoas Normais. Com direção de Lenny Abrahamson, é protagonizada por Alison Oliver como Frances, Joe Alwyn como Nicki, Sasha Lane como Bobbi e Jemima Kirke como Melissa.

Sob os céus de Dublin, a jovem Frances vive sua vida tediosa. Não possui nada que a faça ser extraordinária, muito menos aspirações que a tornem motivada o bastante para tentar se destacar em relação às outras pessoas. Quando ao lado de Bobbi, sua melhor amiga e ex-namorada, sente-se apagada pela personalidade subversiva, enérgica e vigorosa dela. São opostos, sobretudo quanto à forma como se relacionam consigo mesmas, como indivíduos, e com o restante do mundo.

Após um namoro que não se desenvolveu muito bem com o fim do ensino médio, as duas terminam, mas continuam amigas. Passam a frequentar a mesma faculdade e dividir o mesmo ofício com apresentações de declamações poéticas que fazem juntas em eventos pela cidade. Enquanto Frances se dedica à escrita, Bobbi traz sua presença dramática para elevar o tom das performances.

É assim que a dupla conhece a fotógrafa e jornalista de 37 anos, Melissa. Uma daquelas mulheres que se evidencia com espontaneidade, sem muito esforço. Tem como aliados o carisma, o talento, a elegância e, é claro, um marido troféu, o ator de média fama Nick Conway, com 32 anos.

Melissa quer escrever uma matéria sobre as jovens poetas, então as leva a jantares e comparece às suas apresentações para que possam se conhecer melhor. Frances não gosta tanto de Melissa e sente que é imune aos encantos de seu perfil imponente, apesar de ser o contrário com Bobbi, que é imediatamente encantada pela mulher. Enquanto isso, por trás da conexão criada a partir dos traços comuns às duas e de seus flertes, a protagonista encontra conforto no caráter tímido, com uma nuance de covardia, do marido da jornalista.

Ante um casamento em ruínas, Frances surge quase como o ser celestial pronto para resgatar Nick de si mesmo, de seu passado e da vida infeliz que tem vivido por meio da relação extraconjugal que iniciam às escondidas. De certa forma, é uma via de mão dupla, pois a universitária carrega tantos traumas e devaneios melancólicos quanto o ator.

Uma coisa sobre a estreia de Sally Rooney é que ela traz alguns dos personagens mais amargos, irritantes, irreverentes e contraditórios que você vai encontrar nesse gênero, mas isso ainda não significa que sejam pessoas ruins — apesar do adultério, das mentiras e todo o restante.

Também é preciso considerar que todos são vistos sob a perspectiva de Frances — que é denunciada como alguém que enxerga aqueles que ama como especiais —, logo, existe uma tendência a se apegar mais aos personagens com os quais ela tem um envolvimento harmônico, como Nick e Bobbi. E, por outro lado, desenvolver aspereza à Melissa, que despreza e inveja. Porém, outras coisas colaboram com a ideia de que talvez a perspectiva de Frances não seja de grande relevância à narrativa, como o fato de ela fantasiar Bobbi com alguma devoção, já que implora para ser desejada e amada por ela, mas a parceira ainda é uma personagem egocentrada e não tão engajada como imagina.

Ou seja, mesmo que a visão de Frances sobre Bobbi seja preenchida por idealizações românticas de quem gostaria que ela fosse — e de quem ela mesma gostaria de ser —, nem por isso ela se torna tragável. E a carência de simpatia com Melissa, cuja personalidade é bastante semelhante à da dupla da protagonista, não é bem recebida pela narradora. Há o envolvimento de diversos fatores, mas além de ser casada com o homem por quem Frances está apaixonada, há, é claro, o desejo de ter sua estabilidade econômica — e esta é uma das maiores fontes de inveja.

Os pais de Frances são separados e vivem numa área remota da cidade. O pai a traumatizou com o alcoolismo invasivo à sua infância, enquanto a mãe é uma colaboradora até os dias atuais com os pedidos incisivos de que a jovem perdoe o pai. Para a filha, até o uso dessa palavra que remete a algum tipo de afeição exprime um valor que não pode ser atribuído nesse caso. Essa atribulação familiar também é fortalecida pela situação financeira delicada, e nenhum outro protagonista está ciente disso. A condição socioeconômica deixa Frances sempre à margem dos outros, independentemente de qual seja o grau de intimidade pairando entre eles no momento.

Os personagens da autora, e isto inclui os protagonistas de seus dois outros romances, trazem debates semelhantes sobre o capitalismo e como ele é corrosivo, mas que soam superficiais ao serem sempre pautados pelos personagens ricos diretamente beneficiados pelo sistema e que não buscam mover as engrenagens noutra direção, a não ser deixar que as críticas morram nas conversas de bar. Bobbi é uma delas, mas, ainda que Melissa não seja tão sugestiva quando os tópicos surgem, Frances permanece cultivando um ressentimento à porção de questões externas interferentes nesse todo — pois ela ainda faz parte disso, mesmo que não tome partido. Melissa manifesta, em certa altura, que talvez o que faça com que Frances de fato não goste dela seja, na verdade, a identificação por serem mulheres que buscam algum poder para suprir a imponência a qual foram infringidas durante a fase de amadurecimento, mas que tal busca por isso em Nick, como um homem omisso, vulnerável e conformado, era infundada.

A relação de Nick e Frances é volátil. Todo o contexto no qual estão inseridos e a maneira como iniciaram sua história já, objetivamente, mostrava que ela jamais poderia ser linear. A verdade é que, nesse caso, parece que Nick encontra em Frances muito do que passou a sentir falta em Melissa, e que Frances encontra em Nick muito do que passou a sentir falta em Bobbi, porém essa falta é reflexo de suas perspectivas pessoais sobre o que querem de alguém, e não necessariamente o que de fato “faltava” em suas parceiras. Mas, por mais que eles deem vida a um amor nascido daquela paixão, prosseguem preservando o mesmo sentimento pelas pessoas com quem estiveram antes. Por isso, acabam num impasse que não deveria ser um, pois a narrativa faz o que promete e os guia à pergunta principal: é necessário amar só uma pessoa e se dedicar isoladamente a ela?

Rooney busca abordar os relacionamentos atuais que não se encaixam no modelo tradicional de que o amor deve funcionar de modo restritivo, de caráter possessivo e limitante — e muito disso está, em termos sociológicos, associado ao capitalismo que a autora tanto critica nas obras —; no qual o amor só pode ser depositado em uma só pessoa, o que não é o caso, porque Frances ama Nick, mas também ama Bobbi. E Nick ama Frances, mas ele também ama Melissa. Os sentimentos existentes entre eles não são enfraquecidos por terem mais de um direcionamento, mas são reanimados e reforçados. Porém, há um longo caminho para que Nick e Frances compreendam isso; que possam ter alguma percepção ampliada de quem eles podem ser um para o outro e quem podem ser para aqueles que já estavam em suas vidas antes de se conhecerem.

Conversa Entre Amigos, como um romance de estreia, tem a potência necessária para apresentar a voz de Sally Rooney à literatura, como foi feito. Embora não supere o ilustre Pessoas Normais — e nem mesmo Belo Mundo, Onde Você Está consegue esse feito —, deixa clara a habilidade da autora em escrever jovens mulheres passíveis de identificação: elas têm tendências autodestrutivas, desvios de caráter e estão completamente perdidas em si mesmas e no mundo, em especial porque não sabem como comunicar seus sentimentos — já que é raro conseguirem reconhecê-los ou nomeá-los.

Esta resenha faz parte da série Autores da Torre, do Projeto de extensão Torre de Babel, da Biblioteca José de Alencar (Faculdade de Letras/UFRJ)

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