Por Hugo Guarilha
Christopher Nolan, em Amnésia (2000), desconstrói a narrativa tradicional para nos lançar em um labirinto de lembranças frágeis e verdades maleáveis. Leonard Shelby, vítima de amnésia anterógrada, vive refém de seu próprio passado, ou do que acredita ser seu passado. Incapaz de formar novas memórias, ele se apega a fotografias polaroids e tatuagens como guias de sua busca por vingança. No entanto, conforme a trama avança, fica claro que confiar em sua percepção é um erro – o que ele considera provas irrefutáveis pode ser apenas ecos de distorções criadas pela sua mente.
A genialidade do filme está na forma como nos faz compartilhar da confusão do protagonista. Com uma estrutura narrativa que caminha de trás para frente, somos forçados a montar o quebra-cabeça junto a Leonard, apenas para descobrir que cada peça pode ser uma mentira. Sua memória é um campo minado, e Nolan nos desafia a enxergar além das aparências, questionando não apenas o que sabemos sobre a história, mas também como confiamos em nossas próprias lembranças.
Memento, título original do filme, se torna ainda mais inquietante quando pensamos na maneira como, hoje, nossas percepções são moldadas e reescritas constantemente. Vivemos em uma era de desinformação, na qual as lembranças são facilmente manipuladas por narrativas externas, seja através de redes sociais, fake news ou mesmo a repetição de histórias que queremos acreditar. O filme nos provoca a refletir: se nossas memórias podem ser distorcidas, o que nos resta como verdade?
Nolan nos deixa com a desconfortável constatação de que talvez sejamos todos Leonard Shelby, presos em uma realidade editada por nossas próprias crenças e limitações.
Esta resenha faz parte da série Autores da Torre, do Projeto de extensão Torre de Babel, da Biblioteca José de Alencar (Faculdade de Letras/UFRJ)