Por Júlia Cândido
“É gorgonzola, esse queijo foi inventado na Itália, ali pertinho dos Estados Unidos.”
Raimundo Nonato (João Miguel) é um cozinheiro e migrante nordestino que tenta ganhar a vida nos grandes centros através da culinária. A partir disso, o filme explora a comida como forma de poder e moeda de troca, seja para garantir a sobrevivência, prazer ou respeito dentro de um presídio.
Nesse sentido, a montagem do filme é essencial para a imersão na trama. A história é contada em períodos do tempo distintos e paralelos, intercalando-se entre a crescente carreira gastronômica de Nonato e o seu cumprimento de sentença em um presídio. Essa estratégia de narrativa do diretor mantém o público com uma curiosidade em relação ao que vai acontecer, trazendo uma abordagem de como o ser humano pode ser tão manipulável e tão cego para as suas próprias falhas. Assim, a trama divide-se em dois lados de uma carta, de um mesmo homem. A vida é como um ambiente de cozinha, tendo uma hierarquia de funções e exigindo um esforço para alcançar o topo. Nonato percebe isso rapidamente e, assim que recebe uma oportunidade inesperada, começa a aprender sobre as técnicas e ferramentas na culinária, combinando-se com um desenvolvimento da personalidade e caráter do protagonista.
João Miguel traz uma atuação essencial e enigmática para a história, pois transparece com facilidade essa expressão “inocente” e confusa de Nonato, ao mesmo tempo que traz seus tons de maldade e sua violência, que vão recebendo mais destaque ao decorrer da história. O homem que passa a cumprir uma pena na prisão não é o mesmo de antes, e João Miguel consegue evidenciar isso naturalmente. Juntamente ao ator protagonista, Fabiula Nascimento e Babu Santana interpretam perfeitamente personagens indispensáveis para o desenvolver da trama, os quais mostram-se como alusões ao consumismo e à fome, não apenas física, mas à ambição e desejo, que são trazidos à tona durante os momentos contrastantes da vida de Nonato.
A trilha sonora caminha lado a lado com a transição entre as cenas do passado e a de maior obscuridade no presente. Essa sensação reflete a mudança na mentalidade de Nonato e suas diferentes realidades e possibilidades, com o mesmo sempre tentando encontrar seu lugar e sabendo como conseguir realizar tal.
Em síntese, Estômago (2007) é uma excelente e diferencial obra do audiovisual brasileiro, com um roteiro, riqueza de detalhes, estética e crítica social de alto nível e que prendem o espectador do começo ao fim.
Esta resenha faz parte da série Autores da Torre, do Projeto de extensão Torre de Babel, da Biblioteca José de Alencar (Faculdade de Letras/UFRJ)