Por Ana Karla Silva

O musical O Fantasma da Ópera (2004) foi dirigido por Joel Schumacher e conta a história de Christine (Emmy Rossum), bailarina e atriz da Ópera de Paris no século XIX. O pai de Christine era um famoso violinista, que, ao morrer, deixou sua única filha órfã aos sete anos, morando no alojamento do teatro. Antes de morrer, o pai de Christine prometera-lhe enviar um anjo da música para protegê-la e aperfeiçoar seu talento. Ela acredita que o Fantasma da Ópera (Gerard Butler) seja esse anjo enviado por seu pai, que à noite lhe visita.
O filme retrata o relacionamento de Christine com o masculino: Fantasma da Ópera, isto é, o fantasma do pai, uma entidade mascarada que assombra o local e desenvolve uma paixão obsessiva por Christine; E Raoul (Patrick Wilson), seu amigo de infância e futuro marido. A relação de Christine com o Fantasma começa a ficar conturbada quando ela começa a se interessar amorosamente por Raoul.
Christine está envolvida com o seu anjo da música, isto é, o Fantasma da Ópera, primeiramente como um Animus criativo, que lhe ensina a tornar-se uma grande estrela da ópera de Paris, uma artista de sucesso tal como o seu pai era e havia desejado como futuro para a sua filha. O grande problema é quando Christine decide não acatar todas as imposições de seu tutor, o Fantasma. A presença de Raoul, um amigo de infância, apresenta a possibilidade de um envolvimento amoroso com um homem; Christine precisa assumir a postura de mulher e deixar de ser apenas a aluna de seu professor mascarado, o Fantasma. Isso mostra a situação psicológica envolvida pela trama musical.
O protagonista e personagem do título, o Fantasma da Ópera, é um homem que nasceu deformado e, por isso, foi rejeitado pelos pais. Se escondeu nos calabouços da Ópera, onde descobriu o seu amor pela música e se apaixonou por Christine. Raoul é o novo patrono do teatro. Ele reencontra Christine, sua paixão de infância, e volta a nutrir sentimentos por ela.
Se o amor de Raoul é cuidadoso e gentil, a interação de Christine com o Fantasma é sempre carregada de muita tensão sexual e um sentido profundo de propriedade dele para com ela. Na canção elaborada, Christine diz que ela própria é a máscara que o Fantasma usa para que o mundo o ouça, e que ele está mais do que à espreita dela: O Fantasma da Ópera está dentro de sua mente.
A contradição que separa estas duas formas de laço amoroso torna-se mais aguda quando o Fantasma revela-se capaz de matar para obter domínio sobre a existência de Christine. Enquanto toda a sociedade se assusta com os feitos deste homem de rosto desfigurado e Raoul se indigna, querendo levar a jovem para longe dali, Christine se sente dividida entre o espanto, a compaixão e o amor pelo gênio que lhe concedeu seu talento e sempre viveu sozinho, nas sombras, “uma gárgula que sonha com a beleza”. O fato é que, mesmo com a deformidade no rosto que ele tem, ela se sente muito atraída por ele.
O ápice da história se dá na encenação dos dois de “Don Juan”, em que ela se apresenta convertida: não é mais a figura virginal do começo do filme. Numa conversa emocionada, a soprano diz ao Fantasma que a sua deformidade está na alma e não no rosto, beijando-o num sinal de compaixão.
Se observarmos com atenção o epitáfio gravado na lápide do túmulo de Christine Daaé, ao final do filme de 2004, veremos que consta apenas: “Condessa de Chagny. Adorada esposa e mãe”. É o fechamento da metáfora do Fantasma da Ópera. Ao escolher Raoul e fugir de Erik, Christine abandona a arte e a prometida imortalidade para viver sua vida feliz, porém finita. Na lápide não há qualquer menção ao envolvimento de Christine com a ópera ou ao fato de ter alcançado certa glória enquanto artista. Sua escolha e a fuga do que seria seu dom e destino tornaram-na normal, preservaram sua beleza e suas virtudes, mas a mataram. Acredito que a metáfora principal aqui esteja entre a vida e arte.
Esta resenha faz parte da série Autores da Torre, do Projeto de extensão Torre de Babel, da Biblioteca José de Alencar (Faculdade de Letras/UFRJ)