Filme: “Perfect Days” (2023)

Por Bruna Maciel

Perfect Days (2023) é um longa-metragem dirigido por Wim Wenders de forma primorosa e silenciosa. É difícil definir com precisão seu gênero quando o filme abraça tantas camadas, mas Wenders e Kōji Hashimoto, ator que interpreta o protagonista Hirayama, fazem um trabalho impecável em impactar e desenvolver o drama. Perfect Days é sutil, abordando a simplicidade da vida de Hirayama, zelador dos banheiros públicos de Tóquio, que possui paixão por música, literatura e fotografia. Embora não pareça nos momentos iniciais, que são silenciosos e demonstram a monotonia da vida de Hirayama, o filme levanta muitas questões para quem submerge no filme. 

Werners demonstra perfeitamente como a simplicidade pode acompanhar a felicidade. Somos meros telespectadores dos dias felizes de Hirayama. Ele começa o dia com um ritual matinal e escolhe cuidadosamente a música que vai ouvir e cuida de suas plantas com zelo. A consistência em sua rotina ao se sentar para observar a paisagem e registrar fotos diárias do céu, que nunca é exatamente o mesmo, e da árvore que também nunca está igual, além de manter o hábito de ler até adormecer, parecendo imerso na leitura sempre. Toda a rotina e constância de Hirayama passam muita gentileza e valoração à simplicidade. Mesmo os atos mais simples tomam sentido e emocionam em Perfect Days e, embora ele nunca transpareça infelicidade, suas atitudes revelam que ele vive de forma muito humilde.

Perfect Days tem maestria em mostrar a dignidade do trabalho e o valor que ele tem para Hirayama, que o realiza com muita dedicação e parece obter prazer em atos comuns do dia a dia, assim como sua leveza e gentileza com a vida em si. Mesmo contrastando tanto com sua irmã, que demonstra ter um poderio financeiro alto, todas as atitudes de Hirayama o fazem parecer muito mais “humano” — como fica explícito na preferência de sua sobrinha, ao preferir ficar com ele em vez de voltar para sua mãe e sua vida mais confortável — e, ao mesmo tempo, diferente da sociedade tecnológica e moderna.

Entretanto, mesmo testemunhando a felicidade de Hirayama em meio à simplicidade, fica difícil negar o pensamento de ir além, negar que, se por acaso o capitalismo não fosse tão desumano em tantos quesitos, ele não seria talvez mais feliz, podendo visitar mais museus, restaurantes e livrarias diversas ao redor do mundo, fotografando locais diferentes, observando novas paisagens, conectando-se com outras naturezas. Perfect Days é a perfeita dicotomia entre entender a simplicidade da vida e a felicidade que isso pode trazer, diferente do que o capitalismo forja, impulsionando o consumo e barulho desenfreado para satisfazer o nosso eu, mas também traz o amargo de lidar com o “que poderia ser”. Entender que cada coisa pequena que gostamos está multiplicada aí fora e talvez nunca possamos sentir, ver, fotografar, ler. Mas demonstra com maestria algo que talvez poucos entendam, que é ouvir a música favorita vinda do trabalho. Ouso dizer que o silêncio fala em Perfect Days.

Esta resenha faz parte da série Autores da Torre, do Projeto de extensão Torre de Babel, da Biblioteca José de Alencar (Faculdade de Letras/UFRJ)