“Hamlet”, William Shakespeare

Por Maria Luiza de Castro

“Hamlet”, peça escrita pelo absoluto dramaturgo William Shakespeare, tem sua versão final acabada em 1690. Nesse sentido, a versão escolhida para a presente resenha foi aquela com tradução para o português de Millôr Fernandes (2001). Nesse sentido, “Hamlet” é tida como uma das maiores (ou a maior) representações dramatúrgicas de toda a história. Assim, a peça é um clássico por atualizar, atemporalmente, problemáticas humanas. 

Nesse sentido, segundo o grande crítico literário e estudioso de William Shakespeare, Harold Bloom (1998), Hamlet representa um dos personagens mais interiorizados já produzidos pelo dramaturgo inglês. Sob a perspectiva de Bloom, Hamlet é tido como o primeiro grande homem moderno, de modo que a metafísica não detém tanto poder sobre suas decisões. Nessa veia, ele ainda pontua que este é, também, o primeiro personagem objetivo, na qual existe a crença no poder do eu, da ação própria. Logo, Hamlet, para Bloom, afirma sua própria consciência como princípio instaurador da ordem. 

A peça “Hamlet” se dá em cinco atos, a partir do jovem príncipe da Dinamarca, Hamlet, o qual é um universitário na cidade Wittenberg, em outro país. 

O pai de Hamlet, o rei de mesmo nome, foi assassinado, cruelmente, por envenenamento. Tal fato foi concretizado pelo tio de Hamlet, Cláudio. Em seguida, após muito pouco tempo do ocorrido, a mãe de Hamlet, Gertrudes, se casa com o tio assassino, o qual se torna rei da Dinamarca. 

É importante pontuar que o assassinato cometido pelo tio é um grande segredo, de maneira que a corte não sabe que o atual rei é o feitor do mal. 

Além desses personagens, existe Polônio, um cortesão, o qual presta serviços ao rei de maneira irrestrita e faz de tudo para ganhar sua confiança. Em termos informais, Polônio pode ser considerado como um “puxa-saco”. Nessa linha, Polônio tem dois filhos, Laerte, o qual estuda em Paris, e Ofélia. Esta nutre um caso de amor com Hamlet, no entanto, a paixão de ambos decorre de maneira confusa, segundo ela, pela incapacidade de amar do príncipe. Nesse quadro, há também Horácio, único amigo de Hamlet, além de outras pessoas que rondam a corte. 

Portanto, o desenrolar da história se dá, de maneira resumida, quando o fantasma do pai de Hamlet, o rei e grande guerreiro Hamlet, aparece para o filho. O fantasma pede ao príncipe que se vingue por ele, pois revela que quem o matou foi seu tio e atual rei, Cláudio. 

Consternado pela situação e com o peso do plano que foi despejado sobre ele, Hamlet começa a ter, como apontado por aqueles ao seu redor, comportamentos “estranhos”, de forma que a corte aponta que ele enlouqueceu. Devido a isso, o rei quer extraditar Hamlet à Inglaterra. Um dos grandes mistérios da peça é se Hamlet atua como “louco” ou assim, realmente, se torna. A peça de Shakespeare, a qual é considerada uma tragédia de vingança, gira, portanto, ao redor desse desequilíbrio (o assassinato e pedido de vingança), o qual gera um período catártico – a dúvida e suposta loucura .

Com grandes questionamentos sobre a natureza e veracidade dos ditos do fantasma, Hamlet, de maneira astuta, pede que uma companhia de atores encene o episódio de envenenamento do pai, frente ao rei Cláudio, para observar sua reação. O rei não suporta a peça, se levanta, claramente, descompensado. Ali, Hamlet tem certeza sobre os meios que levaram à morte de seu pai. Segue para matar Cláudio, mas desiste ao ver o rei rezando. 

Ao ir conversar com sua mãe, a pedido dela, sobre sua situação, Hamlet vê que Polônio escuta o diálogo. Assim, a sangue-frio, o príncipe mata o cortesão e pai daquela com quem tinha um romance. 

Hamlet é, logo, extraditado à Inglaterra, mas oferece dinheiro a piratas que sequestram seu navio de locomoção para levá-lo de volta à Dinamarca. Em outro contexto, Ofélia, depressiva com a morte do pai e com a falta de amor de Hamlet, morre e a narrativa dá a entender que ela se suicidou. Desse modo, frente a ambas as perdas, Laerte, filho de Polônio, urge a Hamlet por vingança. 

O rei Cláudio sugere um duelo de esgrima entre os dois, mas planeja meios de matar o sobrinho. Logo, coloca veneno na ponta da espada de Laertes, o qual mataria Hamlet se ferido. Caso vencesse, colocaria veneno na taça de vinho de comemoração de Hamlet. 

Em desfecho, Gertrudes bebe, por engano, da taça de Hamlet. Devido a uma troca de espadas, Laertes é acertado pelo veneno. Hamlet percebe a situação e faz o tio beber da taça. Logo após, ele próprio bebe do veneno. Dessa maneira, todos os personagens principais da peça acabam mortos. 

Portanto, após uma exposição sobre a peça, se faz possível uma análise dessa rica leitura. Assim, são imputadas àquele que lê reflexões sobre a parentalidade e como ela afeta os destinos. 

Nesse contexto, Hamlet passa por um intenso processo de luto pela perda de um parente e, além disso, é incumbido, por ele, na forma de fantasma, a cumprir uma missão que, claramente, o incomoda: “Vinga esse desnaturado, infame assassino” (SHAKESPEARE, 1988, p.31). Somam-se a isso as diferentes formas de vida de Hamlet e seu pai, enquanto esse é um grande guerreiro, habitante vitorioso de diversas guerras, aquele é um intelectual universitário, o qual, por diversas vezes, questiona o valor da batalha. 

No entanto, mesmo com as diferenças geracionais, Hamlet se vê obrigado a realizar o desejo de seu genitor. Como apontado por Polônio, Hamlet é: “Um vassalo do seu nascimento” (SHAKESPEARE, 1988, p.23). A partir do personagem, o leitor chega a questionar a força (ou existência) da liberdade de escolha, já que o futuro de Hamlet (e quem sabe de todos os humanos) carrega a marca do desejo alheio. 

Portanto, ao se analisar seu estado de angústia, o qual é considerado pelos outros como insanidade, podemos pensar que Hamlet sofria de uma depressão, entendendo-a como parte de uma existência que lida com o fracasso, ou ainda, com a percepção da falta de possibilidades. Algumas falas do personagem explicitam tal quadro: 

Posso acusar a mim mesmo de tais coisas que

talvez fosse melhor minha mãe não ter me  

dado a luz. Sou arrogante, vingativo   

ambicioso, com mais crimes na consciência 

que pensamentos para concebê-los 

(SHAKESPEARE, 1988, p. 65)

Além disso, é notável, ao longo da peça, a vontade de anular a própria existência, com apelo ao suicídio, o famoso monólogo de Hamlet ilustra tal contexto: 

Ser ou não ser – eis a questão 

Será mais nobre sofrer na alma 

Pedradas e flechadas do destino feroz 

Ou pegar em armas contra o mar de angústias

E combatendo-o, dar-lhe fim? Morrer, dormir;

Só isso. E com o sono-dizem- extinguir 

Dores no coração e as mil mazelas naturais 

A que a carne é sujeita, eis uma consumação 

Ardente desejável, morrer, dormir. 

(SHAKESPEARE, 1988, p. 65)

Como digno de uma tragédia, Hamlet acaba, sim, realizando o desejo de seu pai, pois vinga sua morte, matando o próprio tio. No entanto, com tal carga, acaba colocando fim à própria existência. 

Apesar do peso das elucubrações dessa tragédia ao leitor, é notável como, datada do século XVII, início da modernidade, ela consegue trazer temáticas tão importantes como o luto, o suicídio, a corrupção e o questionamento das instituições — como a família e as formas de governo — todas ainda muito presentes na atualidade. Assim, é mais que recomendado a leitura dessa peça com a primeira “personagem interiorizada” da história que tanto nos faz refletir. 

REFERÊNCIAS: 

BLOOM, Harold. Shakespeare: A Invenção do Humano. Rio de Janeiro: Editora Objetiva LTDA, 1998

SHAKESPEARE, William. Hamlet. Tradução de Millôr Fernandes. Porta Alegre: L & PM, 2001.       

Esta resenha faz parte da série Autores da Torre, do Projeto de extensão Torre de Babel, da Biblioteca José de Alencar (Faculdade de Letras/UFRJ)                   

 

 

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