Por João Pedro Mafalda Ribeiro
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BK, a convocação de um líder em movimento.
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O rap vem a cada dia crescendo ainda mais no Brasil. Esse gênero musical expressa em suas letras diversos temas, e muitas vezes está relacionado a relatar elementos do cotidiano, mas também pode servir para expressar sentimentos, sejam eles de amor, raiva, revoltas etc. Nesta resenha será apresentada a letra escrita pelo rapper Abebe Bikila, com o nome artístico de BK.
Conhecido desde o seu primeiro trabalho no ano de 2016 com o aclamado álbum “Castelos e Ruínas”,, Abebe Bikila Costa Santos, o BK, tem seu nome em homenagem ao maratonista etíope que foi o primeiro homem a vencer duas maratonas olímpicas e é considerado o maior maratonista da história. Oriundo do Rio de Janeiro, BK é cantor, compositor e escritor, sendo considerado um dos maiores nomes e um dos mais influentes do rap nacional. Seu último trabalho consiste no álbum lançado no ano de 2020 intitulado “O Líder em Movimento”, e nele é adotado um estilo parecido com seu primeiro em 2016, porém com uma visão muito mais crítica onde busca passar uma mensagem através de cada música do álbum. Influenciado pelo movimento que ganhou força em 2020, o Black Lives Matter, BK nos apresenta um álbum inteiro com letras que criticam fortemente o racismo presente no Brasil, questões como poder, relações e as homenagens a fortes figuras escravistas em monumentos espalhados pelo território brasileiro.
Com isso, esta resenha dará destaque para a primeira faixa do álbum, intitulada de “Movimento”. Sem querer prolongar a proposta de seu disco, nesta faixa o rapper BK já inicia apresentando a luta incansável do povo preto por sua liberdade, e é nisso que todo o álbum está baseado. O diferencial do álbum está logo nessa primeira faixa, com uma letra forte e uma batida que acompanha, trazendo uma sensação de dor e revolta, mas ao mesmo tempo empoderando quem ouve. Com a participação especial da atriz e cantora Polly Marinho, ela abre a música com um breve, porém extremamente forte, discurso. Logo de cara, o final do discurso que dá o início da canção cumpre seu objetivo que é nos causar uma profunda reflexão e dar um choque de realidade no ouvinte, quando ela diz: “E a luta pela liberdade só acabe quando ela for encontrada / Para que a nossa poesia não seja mais escrita com sangue” (BK, MOVIMENTO. 2020).
Logo em seguida, BK já inicia a canção com o refrão fazendo uma referência aos maiores nomes do hip-hop americano com o verso: “eles mataram Pac, mataram Biggie / Eles querem matar um mano que resiste/ “E nós queremos ser livres!””, fazendo alusão aos cantores Tupac Shakur, conhecido como 2Pac, e Notorious B.I.G, ambos assassinados na década de 90 e sem uma resolução convincente até os dias de hoje. Estes cantores foram citados pois nos anos 90 foram as principais vozes que relataram o racismo e a violência policial que os negros sofriam nos Estados Unidos nas cidades mais famosas do país, Los Angeles e Nova York. O trecho onde BK canta que querem ser livres refere-se justamente a isso, onde seja possível denunciar de todas as formas possíveis os problemas que os negros enfrentam por causa de sua cor de pele, sendo silenciados a todo momento de diferentes maneiras, não tendo sua liberdade de expressão garantida.
No decorrer da canção, são citadas outras figuras importantes na luta antirracista como Marielle Franco, Malcolm X, Martin Luther King e Thomas Sankara. Junto com os cantores norte-americanos já citados, todos possuem em comum a luta contra o racismo e pelo direito dos negros, e que também compartilharam do mesmo final trágico, sendo mortos devido a tentativas de silenciarem suas lutas. No decorrer da canção, há dois trechos que se entrelaçam quando BK (MOVIMENTO, 2020) canta: “Pense no preço que é fazer alguém pensar / Num mundo onde colocam um preço na cabeça de quem pensa / Eu pensando em milhares e centenas / O sistema pensando na minha sentença” e mais pra frente quando diz: “Eles gostam quando um preto canta, grita, chora / Eles temem quando um preto pensa”. Essa é a forte crítica feita pelo rapper que faz uma alusão às figuras citadas, que se tornaram alvos por criticar o sistema que os oprime, e que o povo preto, sob a ótica racista, só serve para o entretenimento, e muitas vezes com seu sofrimento mostrado pela mídia.
São abordados também outros assuntos pertinentes a autoestima do negro. Em certo trecho, BK faz uma dupla referência ao super-herói Pantera Negra e ao movimento dos Panteras Negras, quando canta: “Botaram a droga no meio dos Panteras / Baixa autoestima no meio das negras”, fazendo assim uma crítica as drogas que assolam os jovens negros e também ao padrão branco de beleza que é imposto pela sociedade e pela mídia, fazendo com que mulheres negras se sintam inferiores a mulheres brancas a todo momento. Um outro ponto levantado é sobre a intolerância religiosa contra as religiões de origem africana que são bem presentes no Brasil, principalmente entre o povo negro. A crítica vem no trecho em que BK canta: “Maldições em nós por várias eras / E hoje nós que somos bruxos, feiticeiras.” Dessa forma, o cantor faz uma alusão ao racismo que os negros sempre sofreram, sendo
chamados de toda forma pejorativa possível, mas que por sua religião seriam os que praticam o mau aos outros através de maldições.
Dois pontos importantes a serem destacados e que são citados na canção é sobre as homenagens que são prestadas a figuras escravistas, quando o cantor diz: “Vamo derrubar o nome dessas ruas, dessas estátuas / Botar heróis de verdade nessas praças” e quando faz alusão a violência que o negro sofre quando canta: “Minha mãe ora por mim assim que eu saio de casa”, referenciando que vivem com o constante medo de serem mortos nas ruas apenas pela sua cor de pele.
A faixa “Movimento” é apenas uma parte da obra de Abebe Bikila, mas que já mostra o que virá pela frente até o final do álbum. O intuito de BK era realmente começar dessa maneira pois o racismo é algo muito presente no Brasil e, infelizmente, algumas pessoas ainda insistem em dizer que não existe ou que é vitimismo. Vale muito a pena conferir todo o álbum, pois além de ser uma aula de conscientização em forma de música, torna-se um símbolo de luta e resistência ao racismo que ainda assola a nossa nação.
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REFERÊNCIAS
BK’, MOVIMENTO / O Líder em Movimento. YouTube, 8 de Setembro de 2020. Link: <https://www.youtube.com/watch?v=RgpbeTrSXHg&ab_channel=BK%27>. Acesso em: 16/10/2022
ESTEVES, Emerson. Resenha / “O líder em movimento” é o mais novo poderoso discurso de BK’”. emersonesteves.medium.com, 2020. Disponível em: <https://emersonesteves.medium.com/resenha-o-l%C3%ADder-em-movimento-%C3%A9-o mais-novo-discurso-poderoso-de-bk-9e6faccf6a12>. Acesso em: 16/10/2022