Livro: “Os Karas”, Pedro Bandeira

Por João Daniel Ferreira

“Os Karas”, do escritor Pedro Bandeira, foi a primeira série de livros que li em minha vida. Antes mesmo de qualquer análise crítica sobre a qualidade da escrita ou da narrativa, chamo atenção para a memória afetiva que livros infanto-juvenis têm a capacidade de causar, e sua importância para a introdução literária. A obra marcou gerações de leitores brasileiros desde sua primeira publicação nos anos 80 e se mantém atual: comecei a ler no início dos anos 2000 (revezando sempre com Harry Potter), e a última publicação ocorreu em 2014, 30 anos depois do primeiro livro: “A Droga da Obediência”, de 1984.

Composta por cinco volumes, os livros nos apresentam um grupo de adolescentes que se une para desvendar crimes complexos e perigosos. A trama central gira em torno de cinco amigos: Miguel, Magrí, Calú, Crânio e Chumbinho. Juntos, eles formam Os Karas, que se empenham em solucionar casos misteriosos em seu colégio de elite na cidade de São Paulo, onde vivem. Cada um dos personagens possui habilidades únicas que se complementam, tornando-os um time imbatível.

Apesar do núcleo da história se dar em São Paulo e incluir passagens na Avenida Paulista ou no Parque Ibirapuera, suas histórias são assimiláveis a qualquer criança ou adolescente brasileiro – quando li, era uma criança no Rio de Janeiro, empolgada com o desenvolvimento das narrativas e a construção dos mistérios de cada um dos livros. Em quase todos, há um “assassino” a ser descoberta a identidade, como nos mistérios de Agatha Christie, e as pistas fornecidas são sempre bem construídas para um livro considerado “infantil”.

A série também tem o mérito de abordar questões sociais e políticas do Brasil de forma crítica e reflexiva. O segundo livro, “Pântano de Sangue”, chama atenção para o desmatamento no Pantanal, no estado do Mato Grosso, enquanto o terceiro, “Anjo da Morte”, denuncia grupos neonazistas e a intolerância. Os personagens frequentemente se veem envolvidos em situações que os levam a questionar a corrupção, a injustiça e a desigualdade em sua sociedade, como em “A Droga da Obediência” ou “Droga de Americana”.

A atemporalidade de “Os Karas” é notável. Embora tenha sido escrita há décadas, a série ainda ressoa nos jovens de hoje, pois os dilemas morais e as lições de amizade e justiça são universais e eternos. A série se tornou um clássico da literatura infantojuvenil brasileira e um marco importante na cultura literária do país. Foi neste livro que descobri o que era Código Morse, que existiam outras florestas além da amazônica e a complexidade de relações geopolíticas nos Estados Unidos – aprendia tudo, sem saber que estava aprendendo, apenas movido pelo desejo de descobrir quem era o vilão da história.

Pedro Bandeira criou uma narrativa envolvente, personagens memoráveis e histórias que não apenas entretêm, mas também educam e inspiram. Considero a série, para além da memória afetiva que carrego, como um tesouro literário que transcende gerações. É um testemunho do poder duradouro da literatura e da habilidade de um autor em contar histórias que tocam o coração de seus leitores.

Esta resenha faz parte da série Autores da Torre, do Projeto de extensão Torre de Babel, da Biblioteca José de Alencar (Faculdade de Letras/UFRJ) 

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