“Mayombe”, Pepetela

Por Bruna Braga

Editora Leya: Fevereiro, 2013

 “Trago em mim o inconciliável e é este o meu motor. Num Universo de sim ou não, branco ou negro, eu represento o talvez” 

“Mayombe”, de Pepetela, traz em suas páginas muito mais do que palavras bem escritas que explicitam a luta pela libertação de Angola; ele traz as nuances da existência e os antagonismos que possuímos dentro de nós, mesmo quando há uma luta em comum.

O personagem principal dessa narrativa polifônica é Mayombe, a floresta que funciona como um organismo consciente, alimentando, dando abrigo, fornecendo proteção e até mesmo oferecendo conforto quando as mentes humanas se embaralham o suficiente para perder um pouco da racionalidade.

No coração do Mayombe, encontramos uma célula de resistência angolana, onde parte do MPLA (partido angolano que lutou contra o exército português pela independência de Angola) se escondia e preparava suas táticas de guerrilha. Nessa base, observamos um dos pontos tratados com maior profundidade por Pepetela ao longo da obra: o tribalismo.

Podemos ver, ao longo do texto, as percepções de todos os habitantes dessa base, uma vez que, em vários momentos, os narradores se alternam. Assim, conseguimos compreender um pouco melhor como cada pessoa e cada tribo interpreta os acontecimentos que se sucedem na história, tanto os mais violentos — os momentos de guerrilha — como os problemas internos, como relacionamentos, disputas de poder, percepções sobre a fome e outras situações.

O comandante Sem Medo, um dos personagens que pudemos observar mais de perto no livro, enfrenta questões internas e externas ao coordenar essa célula do MPLA, visto que os problemas entre guerrilheiros de tribos distintas eram frequentes. As inseguranças e desconfianças, ao longo de toda a história, são marcadas por tais diferenças e levam Sem Medo a nos trazer importantes reflexões, não só ligadas ao colonialismo, ao capitalismo e a outras questões políticas, mas também à profundidade humana.

Sem Medo trata da amizade, da política, do amor, da família de uma maneira tão profunda e simples que nos confronta, durante a leitura, com pensamentos e sentimentos que, talvez, muitos de nós sequer tenhamos percebido sentir.

Uma outra questão à qual eu, pessoalmente, fui confrontada doeu um bocado e me fez refletir sobre sentimentos e sensações complicadas que eu não sabia que ainda existiam em mim. Eu, como mulher branca, percebi que ainda existe muito do racismo que vemos espalhado ao nosso redor dentro de mim, mesmo que eu sempre me coloque em posições antirracistas e de constante aprendizado sobre o tema. Isso porque percebi que, ao ler um livro escrito por um homem negro e sobre um país negro, eu não conseguia construir esses personagens em minha mente da forma como eles deveriam ser fisicamente. Ou seja, no meu imaginário, estavam sendo construídos personagens brancos, com perfil europeu, por mais que eu me esforçasse para construí-los como pessoas negras. Essa situação, além de extremamente incômoda, me mostrou que o caminho para a construção de uma sociedade livre de preconceitos é muito mais tortuoso do que parece, até porque o preconceito mais profundo se encontra dentro de nós mesmos, e o inimigo mais complicado de enfrentar é esse nosso “eu”, que fingimos não existir. Tal como diz Sem Medo: “Queremos transformar o mundo e somos incapazes de transformar a nós próprios.”

Esta resenha faz parte da série Autores da Torre, do Projeto de extensão Torre de Babel, da Biblioteca José de Alencar (Faculdade de Letras/UFRJ) 

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