Memórias da Plantação – Grada Kilomba – Releituras na Quarentena

Por: Jaredy Rodrigues Nunes

Memórias da Plantação (2019) é o fruto de uma tese defendida por Grada Kilomba, mulher negra, Portuguesa, Psicóloga e tem espaço de fala pois “sentiu na pele” o que é ser a única negra no espaço acadêmico, tanto em Portugal quanto na Alemanha, local onde fez seu doutorado e ganhou menção honrosa por este trabalho.


Baseada em fatos , dados históricos, entrevistas com mulheres negras de 25 a 45 anos de formações e vivências diversas, acrescenta-se a isso acontecimentos pessoais da autora ( o âmago dessa obra é revelar que a história subjetiva dela e a nossa, não pode ser desmerecida pela academia universitária, majoritariamente branca e com a visão eurocêntrica, e não ser rebaixada a uma mera opinião, mas sim a fatos científicos)

Mais do que uma obra acadêmica este livro abrange relatos pessoais, coletivos e ancestrais para a busca da definição do que é o racismo cotidiano, rememorando as marcas traumáticas, expondo-as aos moldes científicos, para assim entendermos as raízes desse mal, para então
sermos curados e assim nos vermos como sujeitos.

Este livro é recomendado (urgentemente) para todos aqueles que queiram entender: Por que não vêem tantas representações negras nos espaços acadêmicos de poder e Por que isso é tão importante? O que é o racismo cotidiano? O que é a descolonização? Por que as mulheres negras são preteridas e não possuem espaço de fala? Qual a importância e o
simbolismo do cabelo afro, crespo? Qual a relação da solidão com o suicídio entre as mulheres negras?

Mas para além desses questionamentos há momentos de fôlego e regozijo na obra, um momento de reflexão que chama atenção :

As pessoas trocam saudações sem se conhecerem. O momento de saudação parece ser um ritual coletivo destinado a reparar a experiência histórica de ruptura e fragmentação. Em outras palavras, o momento de saudação parece ser um processo de reparação pelo qual o indivíduo recria uma conexão que fora quebrada. Acho incrível, Kathleen acrescenta, “de todos os povos, os africanos são os únicos que se cumprimentam.” (p.206, 2019)

Assim este livro marca não por ser simplesmente um livro acadêmico relatando o racismo de forma ‘nua e crua’, científica, mas por ser um livro acadêmico que vai além, ele mexe nesse conceito do racismo cotidiano que é tão profundo e que causa dor e traumas e nos faz repensar em como reparar esse dano, nos faz refletir em como as pessoas negras devem se tornar sujeita/os e não mais a/o outra/o. E por fim a pergunta mais impactante é deixada aqui: ” O que o racismo fez com você ?

Bibliografia
Kilomba, Grada. Memórias da Plantação: Episódios de Racismo cotidiano. Trad. Jess Oliveira. Rio de Janeiro: Cobogó, 2019.

1 thoughts on “Memórias da Plantação – Grada Kilomba – Releituras na Quarentena”

  1. Jaredy , por meio de sua resenha, você apontou com mestria para a importância de Memórias da plantação. Obrigado! Quem nos dera se autor@s como Kilomba tivessem maior visibilidade no contexto acadêmico de cursos como os de letras e humanidades. Para além de um livro técnico sobre questões raciais, Grada Kilomba promoveu contribuição potente para o campo do pensamento antirracista. Qual outr@ intelectual recuperou as minúcias da vida cotidiana de modo a interpretar as relações raciais da modernidade como ela?

    Enfim, vale citá-la:

    No mundo conceitual branco, o sujeito negro é identificado como o objeto “ruim”, incorporando os aspectos que a sociedade branca tem reprimido e transformado em tabu, isto e, agressividade e sexualidade. (KILOMBA, 2019, p. 37).

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