Por Daniel Paes
Neuromancer é um romance escrito por William Gibson e publicado pela primeira vez em 1984. O livro conta a história de Case, um ex-hacker que teve de se aposentar de sua profissão após tentar roubar seus patrões, sendo envenenado com uma toxina que o impede de conectar com o ciberespaço. No entanto, a vida de Case tem uma reviravolta quando lhe é o oferecido a chance de voltar a ser um hacker caso ele participe de uma missão misteriosa.
Palavras não são suficientes para descrever o quão visionário William Gibson foi em sua época. Sua obra pode apresentar diversos anacronismos, mas acertou em inúmeros aspectos sobre a tecnologia que temos hoje em dia. É fascinante pensar que, na década de 80, um indivíduo seria capaz de escrever uma ficção científica que apresentava uma ideia de uma rede virtual onde todas as pessoas estão conectadas quando a Internet ainda era um conceito que as pessoas nem tinham noção que viraria um fenômeno nas décadas seguintes. O autor não apenas apresentou uma versão preliminar da Internet na literatura, como também apresentou o protagonista de seu romance como um hacker (chamados de cowboys durante o livro, mas o conceito é o mesmo). O ato conhecido como hacking só teria a proporção que tem hoje depois de anos. Todos esses pontos só demonstram o quanto Gibson refletiu sobre a relação do ser humano com a tecnologia e especulou sobre o seu possível futuro.
Toda essa reflexão se configura em Neuromancer, que acabou virando um grande expoente da cultura pop e da ficção científica. Esse livro é considerado por muitos o pai do subgênero cyberpunk, que pode ser classificado como obras de ficção científica que exploram uma alta tecnologia, mas baixa qualidade de vida. A relevância desse subgênero pode ser vista até os dias de hoje, tanto em produções cinematográficas quanto em jogos eletrônicos. Um dos maiores exemplos que podem ser dados para ilustrar a influência de Neuromancer é o filme Matrix, que literalmente se apropria do termo que define o ciberespaço no romance, e o jogo eletrônico Cyberpunk 2077, que se tornou um dos jogos mais aguardados antes de seu lançamento em 2020.
Portanto, é possível observar que a relevância dessa obra já é grande apenas levando em conta seu impacto cultural, mas, infelizmente, o livro em si tem seus problemas. A narrativa criada por Gibson é muito confusa e arrastada, sendo um livro muito difícil de se acompanhar. Parece que o autor estava escrevendo algo que era muito claro para ele, mas não levou em consideração que os outros podem não entender. O glossário apresentado na edição publicada pela Aleph ajuda um pouco nessa questão, mas ainda não é bastante para fazer com que o texto de Gibson deixe de ser nebuloso em alguns momentos.
Os diversos conceitos interessantes apresentados durante a trama são muitas vezes pouco aproveitados. O romance te demonstra diversas ideias boas, mas que quase nunca são exploradas. A ambientação futurista apresentada por Gibson nunca atinge o potencial que poderia ter. Sendo assim, parece que o autor só quis esbanjar um monte de ideias criativas na sua cara para você achar que aquilo que está sendo lido é genial.
Outro ponto negativo do livro são os personagens. É difícil se conectar emocionalmente com qualquer um deles. Falta alma nessa obra que, ironicamente, foca mais no lado sintético do que o orgânico. Talvez seja proposital focar mais nos conceitos e menos nos personagens, mas ele não funciona do ponto de vista dramático.
Consequentemente, Neuromancer é um livro brilhantemente falho. Ele consegue criar uma ambientação e trazer conceitos muito interessantes para o gênero da ficção científica ao mesmo tempo que não é comovente ou divertido de se ler. De qualquer forma, é inegável sua importância para a cultura como um todo e nada tira o mérito de William Gibson como um grande autor, mesmo que sua obra não seja tão agradável de se ler.