“O Alienista”, Machado de Assis

Por Edgard Corteletti

O conto “O Alienista” começa nos trazendo um pouco da história do Dr. Simão Bacamarte, reconhecido em sua época como o maior médico do Brasil, de Portugal e das Espanhas, tendo estudado em Coimbra e Pádua. Regressara aos trinta e quatro anos ao Brasil, contrariando o rei, que queria que ele permanecesse em Portugal, tamanha a sua importância. Bacamarte, contudo, preferiu residir em Itaguaí onde se dedicaria aos estudos da ciência. Aos quarenta anos casou-se com D. Evarista da Costa e Mascarenhas, uma viúva, que segundo o que nos narra, não era bonita nem simpática, mas fora escolhida como esposa por ser saudável e poder gerar filhos robustos e inteligentes, e que assim, o médico poderia se dedicar aos estudos, e não a contemplar a aparência física da consorte. Não tiveram, contudo, filhos; e assim, Bacamarte entregou-se ainda mais ao estudo da medicina, especialmente nos estudos da psique, das patologias cerebrais. Ele considerava a “saúde da alma” a ocupação mais digna que um médico poderia ter.

Em Itaguaí era costume que os ditos loucos, se agressivos, ficassem presos em alcovas em suas casas até que morressem, enquanto que os que não demonstravam sinal de agressividade tinham acesso à rua. Simão Bacamarte, entretanto, resolveu modificar tal dinâmica, e pediu junto à Câmara dos vereadores que pudesse tratar dos loucos em um edifício, todos reunidos. Tal decisão fez com que a região, que a recebera com resistência, a considerasse sintoma de demência, condição que insinuaram ser da esposa do médico.

Os vereadores, por sua vez, concordaram com a ideia de Bacamarte, que uma vez em posse de licença logo construiu a casa em que residiriam os ditos loucos, o asilo chamado “Casa Verde”, que era localizado na mais bela rua de Itaguaí da época. A abertura rendeu sete dias de celebrações com toda a pompa e circunstância, e a cidade de Itaguaí agora tinha uma residência para esses pacientes, que tudo indicava virem a ser bem tratados, o que rendeu ao médico um ar de nobreza aos olhos dos demais, que o admiravam. Bacamarte tinha como intenção, segundo suas próprias palavras, usar de caridade e a partir de um aprofundado estudo da loucura e seus diversos graus, classificar os casos, descobrir a causa dos fenômenos e o “remédio universal”. Acreditava ser este o mistério de seu coração, e assim prestar bom
serviço à humanidade.

É descrita na obra também os costumes de alguns dos pacientes, e as histórias dos que se conhecia, no que o alienista por interesse científico as anotava, e passou a partir disso a categorizar os pacientes e estudar opções medicamentosas, estando completamente voltado ao trabalho e deixando a desejar enquanto cônjuge, no que não dirigia a palavra à esposa, que em sua tristeza adoecia e sofria calada, não querendo queixar-se ao marido. Até que, por questionamento deste, o revelou seu sentimento, no que ele lhe sugeriu que realizasse antigo desejo, o de visitar o Rio de Janeiro, podendo ela gozar do luxo de viajar com a tia, com todas as despesas pagas, visto o tanto de dinheiro que o médico estava acumulando, que ele a revelara. Por fim, D. Evarista viajou, não apenas com a tia, mas com toda uma comitiva. E no que chorava durante a despedida, em nada comoveu o consorte, que só se importava com a
ciência e seus estudos.

Um dia em meio ao trabalho com um medicamento, o botânico Crispim Soares, amigo de Bacamarte, é convocado à presença deste, no que lhe prometia uma brilhante ideia, uma revolução científica. Tratava-se de uma ampliação do conceito de loucura, fenômeno que, então, estaria presente em muitos cérebros, inclusive de célebres gênios da humanidade. A partir desse ponto, desenrola-se no conto o inusitado, de que o alienista passa a encarcerar qualquer cidadão no asilo, sem, aparentemente, qualquer tipo de critério, o que gerou pavor e muita fofoca pela vila de Itaguaí.

Esse é, sem dúvida, um conto de qualidade ímpar, brilhante obra de Machado de Assis. De leitura rápida devido ao tamanho do conto, pode-se ler de uma vez só – até porque, não dá vontade de interromper a leitura, mas de ir até o fim para descobrir cada acontecimento até o desfecho da história. Fica, então, a recomendação desta excelente obra daquele que é, merecidamente, considerado o maior autor brasileiro de todos os tempos.

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