“O Fim do Homem Soviético”, Svetlana Alexijevich

Por Vitor da Hora

O Fim do Homem Soviético é um livro da autoria da escritora Svetlana Aleksiévitch, publicado originalmente em 2013, no qual ela revisita o processo de dissolução da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas por meio de relatos e entrevistas de cidadãos locais, colhidos entre 1991 e 2012. Svetlana Aleksiévitch nasceu na Ucrânia em 1948, filha de uma ucraniana e um bielorrusso (ambos territórios soviéticos na época), se mudando para a Bielorússia ainda na infância; É uma jornalista reconhecida internacionalmente e, pelo conjunto de sua obra, foi laureada com o Prêmio Nobel de Literatura em 2015. O trabalho de Alesksiévitch representa uma importante contribuição para a história oral sobre a Era Soviética (1917-1991) – visto que a autora, em seus livros, já trabalhou com episódios emblemáticos da história russa, como a Segunda Guerra Mundial (em A Guerra não tem rosto de mulher e As últimas testemunhas), a do Afeganistão (Meninos de Zinco), e o Acidente Nuclear em Chernobyl (Vozes de Tchérnobyl).

A URSS, a despeito de ser uma potência militar, já enfrentava índices de crescimento econômico em queda desde a década de 1960. Após a morte do secretário-geral Leonid Brejnev em 1982, que estava há 18 anos no cargo, dois secretários ocuparam brevemente o cargo, e Mikhail Gorbachev foi alçado ao posto em 1985. A ascensão de Gorbachev simbolizou um anseio generalizado por reformas e “democratização” do Estado soviético, para isso ele lançou dois motes: Perestroika (reestruturação, do aparato estatal soviético e sua economia) e Glasnost (transparência, ampliação da liberdade de expressão) – o que, na prática, permitiu maior circulação de críticas às ineficiências do Estado soviético, sua máquina burocrática e às elites cleptocratas que a administravam. Estas medidas não surtiram os efeitos desejados, pelo contrário, expondo fissuras que premeditaram a queda do Império soviético. Episódios na arena internacional também desgastaram o poderio soviético na década de 1980, como a publicidade dada ao Acidente Nuclear em Chernobyl (1986), o fracasso na Guerra do Afeganistão, e a pressão causada pelos êxitos econômicos da onda neoliberal encabeçada por Margaret Thatcher (Inglaterra) e Ronald Reagan (EUA) no ocidente capitalista. Em seguida houve a queda do socialismo na Europa Central em 1989 e tentativa mal-sucedida de golpe militar contra Gorbachev em agosto de 1991, o colapso e a dissolução da URSS se deu antes do término do mesmo ano.

Este é o dramático contexto histórico com o qual Svetlana trabalha em O Fim do Homem Soviético. O livro é dividido em duas partes: O apocalipse como consolação – com os capítulos Sobre os ruídos das ruas e conversas na cozinha (1991-2001) e Dez histórias do interior vermelho – e O fascínio do vazio, com os capítulos Sobre os ruídos das ruas e conversas na cozinha (2002-2012) e Dez histórias sem interior. O texto segue a mesma metodologia empregada em outros trabalhos da autora, e carrega o mesmo ar melancólico característico deles. Neste livro em questão, a melancolia é inerente ao que o episódio representou para a população soviética – um profundo choque em relação à como os soviéticos enxergavam suas próprias identidades nacionais e à negação da ideologia que outrora era glorificada por milhões, com o legado da Revolução de 1917 passando a ser questionado – e pela proximidade temporal (trinta anos atrás), que faz do recente episódio uma ferida ainda aberta na história e geopolítica dos antigos territórios soviéticos. Os relatos contidos no livro sintetizam bem a percepção de cidadãos locais sobre a derrocada do socialismo soviético, e em como este evento afetou-lhes a vida particular, bem como a desilusão advinda do fim da utopia socialista, visto que as percepções de mundo de milhões de soviéticos foram abaladas com a queda do Império socialista. A sensibilidade das entrevistas conduzidas por Aleksiévitch são uma ótima vitrine para os interessados na história soviética, que em seus livros poderão conhecê-la por uma ótica vista de baixo – com destaque para cidadãos de fora do principal eixo metropolitano (Moscou-Leningrado) soviético – através de palavras dos próprios soviéticos.

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