Releituras na Quarentena

Por Amanda Cipriano Gomes

Publicado no Brasil em 2018 pela editora Planeta do Brasil, O que o sol faz com as flores é a segunda coletânea de poemas da poeta indiana Rupi Kaur – que também é ilustrada por ela. O livro é dividido em cinco partes: murchar, cair, enraizar, crescer e florescer, os quais fazem referência ao ciclo de vida das flores. Dessa forma, com o próprio título e o nome de suas seções, já é possível perceber a forte carga poética emanada pelos escritos de Rupi.

Em murchar, o poema que inaugura o livro é sobre o último dia de um dos maiores sentimentos do ser humano: o amor. Os textos seguintes constroem o início do caminho em direção à maturidade emocional. Temas como espiritualidade e misticismo estão presentes nessa construção. Além disso, uma característica bem presente nesse início é a ideia de a voz poética estar resignada em si mesma; na sua própria dor por ainda querer algo que já não existe mais. Ela imagina e cria expectativas sobre o que poderia ter acontecido na relação entre ela e o ser que é foco desse sentimento se o relacionamento não tivesse sido destruído. Há uma intensa angústia pela ausência da presença desse outro.

O que se nota é um amor doloroso causado pelo abuso e desprezo causados pelo outro. Há até mesmo uma parte em que ele chega a ser descrito como uma parte do corpo do eu-lírico que foi amputado. Perto do final, porém, começam as reflexões sobre o amor-próprio e, por fim, a seção é finalizada com um poema sobre como a vida precisa continuar independentemente de partidas.

Em cair, a caminhada inicia-se. Há a percepção do mal que a perda do outro ocasionou e menção à depressão. Ademais, a comparação com outras mulheres também aparece em alguns dos escritos. O abuso mencionado na parte anterior é descrito em forma de metáfora em um dos poemas iniciais desse seguimento. Nesse, a voz poética nomeia como monstro o seu abusador e admite estar cansada de viver em prol dessa dor causada por ele. Tópicos como perda de amizades, solidão, críticas aos padrões de beleza, reflexões sobre autoestima e consciência de que há um processo que precisa acontecer para que haja crescimento também marcam essa parte.

Em enraizar, a questão que predomina é a imigração. Para este, é importante antes mencionar o fato de que Rupi Kaur mora em Toronto, no Canadá, mas que é imigrante da Índia. Com isso, esse seguimento é dedicado principalmente a descrever e poetizar sobre as dificuldades que os imigrantes sofrem. É fácil notar que os escritos são homenagens a sua família – em especial, a sua mãe. Questões culturais como barreiras linguísticas e diferenças no modo de viver também são abordadas aqui. Um ponto sobre “enraizar” é que é a parte do livro com a menor quantidade de poemas, o que pode abrir margem para a interpretação de que o ato de criar raízes [pode] leva[r] menos tempo em comparação aos outros estágios do ciclo.

Em crescer, o que vigora é um novo amor. Contudo, ainda há um receio quanto a finalmente deixar o passado no pretérito e então iniciar com outro alguém. Há dúvida sobre como lidar com essa nova relação em que o cuidado, a gentileza e o amor dominam, haja vista a voz poética estar acostumada a relacionamentos abusivos – tal como o de outrora.

Entretanto, mesmo assim o eu-lírico entende que está tudo bem aceitar o novo. Essa parte, portanto, constitui o meio do caminho. Nesse sentido, ocorre a redefinição de “pessoa certa” em alguém verdadeiramente bom – mesmo que os traumas da experiência anterior ainda estejam vivos. Assim, a voz enfrenta essas aflições na tentativa de não culpabilizar o novo alguém e, dessa forma, compreende a noção do que é crescer. Perto do final, há a aceitação e a imersão no [novo] amor. Há o crescimento emocional.

Por fim, em florescer, a voz poética se encontra com a ancestralidade e a espiritualidade. Ela aceita e compreende que a melhor morada é o próprio corpo; é si mesma. É a descrição sobre cada etapa da maturação emocional. Sendo assim, o que o sol faz com as flores é uma narrativa em forma de poesia sobre o desenvolvimento; sobre sentimentos; sobre aceitação.

o que o sol faz com as flores é uma

coletânea de poesia sobre

a dor

o abandono

o respeito às raízes

o amor

e o empoderamento

é dividido em cinco partes

murchar. cair. enraizar. crescer. Florescer

 – sobre o livro

Referência:

KAUR, Rupi. O que o sol faz com as flores. Trad. Ana Guadalupe. São Paulo: Planeta do Brasil, 2018.