Por Flora Cruz
“Onde as Estrelas Não Brilham”, um livro de Karoline Dias, se passa 2500 anos no futuro, numa sociedade em que, curiosamente, os não negros saíram do Brasil e o país é dividido entre Brasil Terrestre, a morada dos mais pobres, e Brasil Flutuante, onde vivem os ricos e poderosos. Apesar de não lidar mais com o preconceito racial, a história envolvente faz duras críticas à divisão de classes, ao papel da tecnologia na sociedade e a condutas machistas, em especial aquelas que dificilmente percebemos.
Após ser preso por fazer parte da Reforma, um movimento a favor de direitos igualitários entre ambos os Brasis, João, um homem corpulento do Terrestre, é levado para o Flutuante pelo vice-presidente do local sob a premissa de que assim estaria salvando Carla, sua ex-esposa que roubou todo o seu trabalho, e milhares de outras vidas.
No Flutuante, João lida com um mundo fantástico, cheio de luzes e luxo, muito diferente da vista cinzenta e opaca do lugar em que nasceu e, surpreendido, se vê com a missão de ajudar a consertar o robô que Carla roubou do protagonista – a SAS Carla, um robô para cuidados médicos que estava tendo problemas técnicos e matava seus pacientes – ao lado da antiga parceira.
Como o esperado, durante o projeto de restauração, o casal se vê em inúmeras brigas – e aqui devo admitir que estou absolutamente contra Carla, que é uma personagem com a qual certamente não me daria bem, se existisse neste mundo – e, por isso, João exige do vice-presidente a troca de parceiras (de Carla para Rita), o ganho ostensivo de dinheiro, uma casa nova no Terrestre, etc. A partir deste ponto, então, a história deixa de dar palco para Carla e se volta para a relação entre o protagonista e sua colega de trabalho com quem inicialmente não se dá bem, dando à narrativa um tom muito mais interessante e romântico.
Se antes João e Rita se detestavam, após o início do trabalho em equipe, o programador acaba por se apaixonar pela parceira e ambos decidem criar um SAS novo. Ainda assim, há inúmeras incertezas em relação ao futuro do casal, em especial porque João em breve voltará ao Terrestre – afinal, não deixaria a Reforma – e teme que Rita seja a favor da segregação vigente em ambos os países.
Após descobrir que Rita também faz parte da Reforma – e aqui acho importante dizer que achei um pouco prematura a forma como a mulher o contou –, João, sem sequer se dar o direito a pensar, tenta beijar a parceira, que acaba por não o corresponder. Nervoso e desapontado, o protagonista foge do trabalho e se tranca no hotel em que estava morando.
Após a desilusão amorosa que entristece qualquer leitor, João só sai do quarto do hotel para a festa de apresentação do novo SAS, na qual descobre que os seus sentimentos por Rita são recíprocos, mas que ela tinha receio de beijá-lo no trabalho, pois, apesar do que se vendia por aí, o Flutuante tinha muitos problemas, como o machismo excessivo na esfera de trabalho.
Com um fim de esquentar corações, João decide ficar no Flutuante para que ele e Rita ajudem a Reforma de lá, trazendo pessoas para um mundo mais confortável e com inúmeras possibilidades.
No geral, o livro é muito bom, especialmente pelo seu caráter denunciador, que é uma marca muito forte na escrita da autora. Este é, de fato, um livro que merece ser lido por qualquer um.
Esta resenha faz parte da série Autores da Torre, do Projeto de extensão Torre de Babel, da Biblioteca José de Alencar (Faculdade de Letras/UFRJ)