Por Victoria Cristina Guilherme
Autores da Torre
Por muito tempo, eu estive olhando para a água e suas formas sem descobrir o motivo desse repentino interesse. Foi durante a infância que eu descobri que vovó era louca, pois ela me contava muitas histórias sobre o poder da água —coisas com as quais pessoas da cidade não estão acostumadas. Gostei e repeti algumas vezes os seus ditos para os outros. Então descobri que ela era louca.
Falar com pássaros também não era convencional… nem com animais em geral. Minha avó falava até com plantas, e quando eu arrancava, em minhas manias, uma série de folhas e flores para brincar, vovó dizia que as plantas sentiam dores e choravam. Por algum motivo, sempre achei aquilo convincente, embora não fosse capaz de conceber a totalidade do que ela percebia.
Vovó era analfabeta, vinda da Paraíba, pobre de ouro, rica de vida. Vovó era indígena, a mais forte de seu povo, que tentou a sorte nos anos quarenta do Rio de Janeiro e largou a natureza das fazendas para a funcionalidade dos lares. Vovó era doméstica e morava na casa dos patrões.
Havia muito mais história nela do que eu podia imaginar. Havia mais alma, mais amor, mais compreensão e força do que as marcas de sua pele podiam dizer, e mais do que ela sabia contar, embora insistisse nas histórias mais lúcidas para os netos. Podiam chamá-la de louca e dizer que ela estava equivocada, mas meu coração jamais deixaria de acreditar na sua sinceridade, porque vovó tinha a raiz dessa terra plantada no mais profundo plano de si.
Vovó ainda vive, com suas dores e com suas memórias. Ainda conversa com animais e fala sobre a fúria da natureza, especialmente das florestas e dos mares. “Se de si foi tirado, ela recuperará, minha filha. Pertence-lhe mais que a qualquer outro”. Ela sabe onde há vida mesmo entre os mortos matos, e diz com certeza sobre a cura que inventamos em nós mesmos, com a nossa honra, com a nossa força.