Por Vitor da Hora
Fernanda Montenegro dispensa apresentações: é um dos rostos mais conhecidos da dramaturgia brasileira, tendo encenado em obras indispensáveis para a formação da cultura audiovisual brasileira – a extensa lista inclui O auto da compadecida, Central do Brasil, Eles não usam black-tie, entre outros. Arlette Pinheiro Monteiro, que viria a se tornar conhecida pelo nome artístico Fernanda Montenegro, nasceu na cidade do Rio de Janeiro em 1929; começou sua carreira artística em fins da década de 1940, primeiramente como radioatriz, depois migrando para o teatro, televisão e cinema. Após passagens por telenovelas na TV Tupi, Record e Excelsior, foi contratada pela Globo em 1981, onde se manteve desde então. Casou-se em 1953 com o ator e diretor Fernando Torres, com quem teve dois filhos: o diretor Cláudio Torres e a atriz Fernanda Torres. Detentora dos principais prêmios da dramaturgia nacional, incluindo uma Ordem do Mérito Cultural, Montenegro venceu um Emmy internacional e o Urso de Prata do Festival de Berlim, tendo também sido indicada ao Oscar e ao Globo de Ouro – além de ter sido convidada duas vezes, ambas recusadas, para ser Ministra da Cultura. Foi empossada como imortal da Academia Brasileira de Letras (ABL) em 2021. Ao ser indicada para a cadeira 17 da ABL, embora a maior parte das reações à época tenham sido de aclamação a atriz, as credenciais de Fernanda para ocupá-la foram questionadas, visto que ela não é uma literata. Em parte, a crítica é pertinente – mas se tratando de um ícone da cultura nacional, e de uma instituição conservadora que poucas vezes abriu as portas para mulheres e que possui outros membros com ainda menos credenciais literárias, como políticos – contudo sua presença lá é mais que bem-vinda.
Em suas memórias, escritas em parceria com a jornalista Marta Góes, Fernanda revisita sua formação pessoal, desde a infância humilde na Zona Norte da capital fluminense, narrando sua longa trajetória até o estrelato e posterior consagração artística. Os mais de 70 anos de carreira de Fernanda Montenegro se confundem com a história da dramaturgia brasileira contemporânea em suas diversas formas – rádio e telenovelas, teatro e cinema – portanto o mais interessante do livro são os trechos em que o leitor pode se conscientizar sobre as transformações pelas quais o ofício de ator passou ao longo do Brasil do século XX. Um dos trechos mais interessantes da biografia, por exemplo, descreve o desprestígio que as atrizes em início de carreira sofriam na sociedade brasileira da conservadora década de 1950 – com a profissão de atriz sendo equiparada à de prostitutas nas fichas policiais do período. No referente à sua vida pessoal, apesar da riqueza de detalhes, a biografia adota um tom discreto e sóbrio, característicos da atriz. É uma leitura leve, sendo extremamente prazeroso acompanhar a história da rica carreira artística de uma das maiores atrizes.