Por Lanna Manhães
Recomendo que não leia a resenha se planeja ler o livro, é uma história daquelas que vale a pena ser lida sem nenhuma informação. Quanto mais no escuro, melhor será a experiência.
“Recursão” é a nova obra de ficção científica do grande nome do gênero contemporâneo, Blake Crouch. Nela somos apresentados a dois personagens principais: O policial divorciado que convive com a dor da morte da filha, Barry Sutton, e Helena Smith, a neurocientista que está desenvolvendo uma tecnologia para ajudar pessoas com Alzheimer. Ambos estão inseridos num universo onde Nova York sofre com a Epidemia da Síndrome da Falsa Memória (SFM), uma doença misteriosa que planta memórias falsas de uma vida inteira na mente da vítima, a enlouquecendo. No desenrolar da história, os protagonistas se unem com o objetivo de solucionar os acontecimentos da trama. Repleto de reviravoltas e descobertas, o complexo enredo envolve o leitor na leitura desde o misterioso início até o final agonizante.
A história é fluida e os capítulos bem dinâmicos, trazendo leveza e rapidez na leitura. Em contrapartida, a trama acaba sendo confusa em algumas partes, exigindo bastante atenção do leitor aos detalhes e às datas. Me peguei diversas vezes voltando algumas páginas para conseguir entender a complexidade que estava se formando no decorrer da história. Acredito que o autor conseguiu deixar os acontecimentos o mais claros possível, mas (spoiler) por se tratar de uma ficção científica de viagem no tempo e realidades paralelas, acaba ficando difícil de entender o universo, mesmo quando bem explicado.
Helena Smith é uma brilhante cientista estacionada em sua pesquisa. Ela recebe uma proposta do magnata Marcus Slade para retomar um projeto engavetado seu, agora dispondo de todos os recursos financeiros e materiais dele. O projeto em questão é uma Cadeira de Memórias, que teria como objetivo armazenar lembranças de pessoas com Alzheimer para que pudessem revisitá-las posteriormente. No entanto, enquanto a motivação de Helena é poder ajudar sua mãe, que sofre da doença, Slade tem outros planos para sua invenção. E assim foi criada uma Máquina do Tempo, capaz de transportar o indivíduo para dentro de uma memória antiga, formando uma nova linha do tempo.
Enquanto isso, o policial Barry investiga o suicídio de uma mulher vítima da Síndrome da Falsa Memória. No meio de sua busca, acaba encontrando Marcus Slade e sendo forçado a usar a Cadeira de Memórias como forma de parar sua investigação. Barry é enviado de volta para o dia em que sua filha morreu, conseguindo assim impedir sua morte e acabando com a dor de tê-la perdido. É aí que entendemos a epidemia de SFM. Toda vez que alguém viajava no tempo e alterava o passado, tudo aquilo que já tinha acontecido no futuro se tornava uma “falsa memória”, ou seja, Barry impediu sua filha de ter morrido, mas todos, incluindo ela, lembravam de seu falecimento. A mente humana não era capaz de processar as lembranças de outra linha do tempo, assim as vítimas da falsa memória acabavam enlouquecendo ou se suicidando.
Num cenário catastrófico onde a realidade começa a se destruir devido a tantas interferências no passado, Helena e Barry se juntam para tentar parar Marcus Slade e o uso da Cadeira de Memória. Seus esforços acabam sendo em vão, uma vez que, depois da morte de Slade, a invenção acaba caindo nas mãos erradas e uma sequência interminável e angustiante de caos se inicia. O final do livro acaba sendo um pouco repetitivo, mas muito frenético e intenso ao mesmo tempo, com soluções inesperadas e muito bem desenvolvidas. Em certos momentos, o leitor começa a se questionar se a história terá ou não um final feliz, tamanha tensão apresentada nos momentos finais.
De forma geral, “Recursão” é um livro muito bem escrito, com um universo complexo, um plot coerente e personagens aprofundados. Os capítulos são dinâmicos e os narradores vão se intercalando, o que torna a leitura menos cansativa. As cenas são tão bem descritas e ambientadas que conseguimos facilmente imaginar uma adaptação cinematográfica enquanto lemos. Não sou uma grande leitora de ficção científica e confesso que estava com medo do que estava por vir, mas Blake Crouch conseguiu me surpreender positivamente com uma trama complexa, intensa e muito bem amarrada.
Esta resenha faz parte da série Autores da Torre, do Projeto de extensão Torre de Babel, da Biblioteca José de Alencar (Faculdade de Letras/UFRJ)