Série: “Yellowjackets”

Por Cristal Rosa

Afinal, existe algo mais voraz do que ser uma garota?

Eu sei que quando você olha para mim, não vê alguém que deveria temer, mas você está errada.

– Yellowjackets, ep.4, temporada 1

Quando, em 2017, foi anunciada uma adaptação do romance vencedor do prêmio Nobel de Literatura, “Senhor das Moscas”, de William Golding, foi anunciado também que, ao contrário da versão original (que gira em torno da decadência moral de um grupo de meninos ilhados e deixados à própria sorte), esta teria um grupo de meninas. O projeto não se concretizou, mas a recusa expressa pelo público à ideia de que meninas poderiam ser tão ‒ ou mais ‒ violentas do que meninos inspirou a roteirista Ashley Lyle a criar “Yellowjackets”.

Trabalhando com o choque automático de ver adolescentes caçarem e comerem uma de suas colegas de time, “Yellowjackets” mostra a que veio logo na primeira cena. A história acompanha um time de futebol feminino de uma escola da fictícia cidade de Wiskayoky, em Nova Jersey, 1996. As estudantes pegam um avião para Seattle, rumo a uma competição, mas nunca chegam ao seu destino, ao invés disso, ficam perdidas na selva canadense por dezenove meses. Paralelamente, acompanhamos as vidas de quatro sobreviventes em 2021, com as consequências do trauma em suas vidas: Shauna, presa em um casamento monótono com Jeff, resultante da culpa e da relação caótica e obsessiva com a antiga melhor amiga, Jackie. Taissa, candidata ao senado, advogada bem sucedida e secretamente desequilibrada, atormentada pelas memórias da sua ex-namorada e colega de time Van, e por um estranho caso de sonambulismo. Natalie, dependente química em busca de um novo propósito, e, finalmente, Misty, uma enfermeira com (fortes) tendências sádicas e um enorme desejo de retornar à selvageria dos seus anos adolescentes.

Muito além de uma narrativa focada apenas nos dramas da sobrevivência, a série da Showtime reimagina tropos clássicos do horror, transforma o subtexto homoerótico característico do gênero em texto em negrito e surpreende justamente por subverter as expectativas do espectador acostumado a ver mulheres como vítimas torturadas.

Com performances que reafirmam o conteúdo, o elenco conta com Melanie Lynskey ‒ favorita do público LGBT+ desde Almas Gêmeas (1994) e Nunca fui Santa (1999) ‒, Jasmin Savoy Brown, que interpreta uma outra personagem queer na franquia de terror Scream, e a veterana Christina Ricci, sucesso como Wandinha em A Família Addams (1991) e par romântico de Charlize Theron no premiado Monster – Desejo Assassino (2003).

Tendo a fome como um dos principais motifs da história, vemos a voracidade das personagens transbordar para seus relacionamentos, o apetite cresce para além da falta de comida e ameaça ofuscar os limites entre o que é amizade, romance e rivalidade. Aqui, decifrar não é uma opção, só devorar. Afinal, existe algo mais voraz do que ser uma garota?

Esta resenha faz parte faz parte da série Autores da Torre, do Projeto de extensão Torre de Babel, da Biblioteca José de Alencar (Faculdade de Letras/UFRJ) 

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