Por Lara Maia
Aqui, Murakami nos presenteia com um conto magistralmente escrito, cuja narrativa nos envolve a ponto de querermos devorá-lo. Nesta história envolvente, acompanhamos a vida de uma dona de casa que se encontra há quase três semanas sem conseguir dormir. Esse tormento não foi uma escolha dela, mas sim o resultado de uma insônia confusa, que desencadeou essa estranha condição.
Em um primeiro momento, a situação em que a protagonista se encontra não parece terrível, pois ela não se sente debilitada e, durante a sua insônia, não se sente desesperada ou ansiosa por não dormir. Pelo contrário, ela usa esse tempo para recuperar prazeres esquecidos pela sua rotina, como tomar um cálice de conhaque, comer um pedaço de chocolate e se debruçar sobre a leitura de Anna Karenina de Tolstoi.
Aqui vale um adendo, é importante ressaltar para aqueles que têm interesse em ler Anna Karenina que o Haruki Murakami não poupa o leitor de spoilers. Pelo contrário, logo no início do seu conto, ele já conta o final do romance de Tolstoi.
Entretanto, conforme os dias e a narrativa vão passando, o leitor é levado com a personagem a refletir sobre diversas questões físicas e psíquicas. Nesse momento, é como se, ao ficar sem dormir, a protagonista também acordasse para a vida.
O autor nos conduz através do olhar de uma mulher comum, que leva uma vida ordinária, casada com um homem e um filho comuns, adentrando um mundo de insônia absolutamente extraordinário, onde a fantasia e a realidade se mesclam, e com um toque do realismo fantástico somos jogados nessa imersão de sensações estranhas que nos fazem sair da zona de conforto, apesar da leitura rápida e fácil.
Além disso, a prosa de Murakami é extremamente poética. Ele emprega uma linguagem simples e direta para descrever ações do dia a dia, porém também utiliza metáforas e símbolos para transmitir ideias mais profundas e complexas.
O fato de a protagonista não possuir um nome leva o leitor a se identificar, se colocando no lugar dela naquela situação. Além disso, o livro é repleto de imagens em tons de azul e branco que vão colaborar com a ambientação da história e com o universo de fantasia e sonho que o autor criou.
O final aberto, bem típico do Murakami, dá margens para diversas interpretações e, também, para somar na identificação falada acima. Assim, é possível que o leitor decida qual é o seu final em detrimento de suas próprias reflexões.
No fim, essa é uma história que vai deixar bem mais perguntas do que respostas, e talvez esse seja o brilhantismo da coisa. Sendo assim, é indicado para todos aqueles que procuram uma obra bem construída, com profundidade e que vai te fazer refletir por horas, sem ser uma leitura difícil e que exija muito esforço.
O conto conduz o leitor a uma profunda reflexão de crise existencial diante da aparente estabilidade da vida, o que leva a concluir que nem sempre uma existência tranquila é sinônimo de felicidade. Apesar de sua brevidade, a obra não deixa de ser complexa, sendo possível cativar com suas metáforas imprevisíveis. Definitivamente, a leitura é enriquecedora e vale muito a pena explorar essas páginas.
Esta resenha faz parte da série Autores da Torre, do Projeto de extensão Torre de Babel, da Biblioteca José de Alencar (Faculdade de Letras/UFRJ)