“SUSPENDER O CÉU: Territórios Do Subjetivo”, Brenda Cantanhede

Por Brenda Pinheiro

SUSPENDER O CÉU: TERRITÓRIOS DO SUBJETIVO

RESUMO: Cursando seu último ano de bacharelado em Pintura pela Escola de Belas Artes  da UFRJ, e concluído seu curso básico de piano pela Escola de Música Villa-Lobos em agosto desde ano; a artista multidisciplinar Brenda Cantanhede finalmente, após anos de pesquisa  e experimentação, tem encontrado uma relação frutífera dentro do caos de manejar diversas  manifestações artísticas ao mesmo tempo, como: música, pintura, fotografia, performance,  videoarte, dentre outros. Neste ensaio, “SUSPENDER O CÉU: TERRITÓRIOS DO  SUBJETIVO”, buscamos investigar essa relação estrutural da sociedade capitalista contemporânea, de aceleração, acúmulo e informação desenfreada em relação aos campos  subjetivos do inconsciente. 

Palavras-chave: Imagem; Contemporaneidade; Capitalismo; Subjetividade; Sonho. 

Brenda Cantanhede 

Bacharelanda em Pintura pela Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro  (EBA/UFRJ). Formada pelo curso técnico em piano pela Escola de Música Villa-Lobos; a artista  multidisciplinar já fez diversas performances sonoras pela cidade do Rio de Janeiro, e expos em  instituições como: A Gentil Carioca, Pavilhão Maxwell Alexandre (São Cristóvão), Paço Imperial,  Centro Municipal Hélio Oiticica, Correios, dentre outros. Contato:brendaangra12@gmail.com

Em um mundo cada vez mais destituído de imagens originais, os objetos artísticos se tornam cada vez mais mercantilizados. “Os museus que antes guardavam obras se tornaram grandes empreendimentos capitalistas.” (Marco Giannotti, 2011, p. 124) Nunca vivemos de forma tão abrupta, os tempos da artificialidade, o caldo cultural do hoje é intensamente constituído sobre os pilares do acúmulo, da ansiedade, do fake e da morte. “Saímos da era da contemplação e entramos na era da informação.”  (Marco Giannotti, 2011, p. 124) 

Todo artista, assim como toda produção de artes, é confrontado pelos dilemas de seu tempo atual, um trabalho artístico jamais é isento das questões sociais que os circundam, parcialidade e neutralidade são coisas inexistentes no campo das artes, mesmo quando o artista busca por isso, todo ato é político. Sendo eu mesmo artista e quase formada em artes visuais, a grande questão que me assombra todos os dias é como pensar e produzir imagem na contemporaneidade?

IMAGENS DO HOJE 

O consumo exacerbado e desvairado de imagens nunca foi tão intenso como nos dias atuais. Em poucos minutos em que ficamos nas redes sociais, somos bombardeados com diversas imagens e vídeos curtos, que nos anestesiam e distorcem nossa percepção de tempo e realidade. Caímos num abismo infinito do rolar das telas, onde “o tempo está desarticulado, e nós não mais sabemos se somos objetos ou sujeitos ao descer, em espiral, em imperceptível queda livre.” (Hito, 2011, p. 228) 

Veja bem, o que está em jogo aqui é algo muito sério, a mídia, assim como todo tipo de imagem num sentido mais amplo, sempre teve um papel fundamental civilizatório, de constituição dos territórios subjetivos da nossa psique, seja em âmbitos identitários, governamentais, ideológicos etc. A estrutura capitalista não só gira em torno do mundo material, mas principalmente age na capitalização das nossas subjetividades. Félix Guattari explicita bem isso neste trecho de As Três Ecologias:

“Em todos os lugares e em todas as épocas, a arte e a religião foram o refúgio de cartografias existenciais fundadas na assunção de certas rupturas de sentido “existencializantes”. Mas a época contemporânea, exacerbando a produção de bens materiais e imateriais em detrimento da consistência de territórios existenciais individuais e de grupo, engendrou um imenso vazio na subjetividade que tende a se tornar cada vez mais absurda e sem recursos. Não só não constatamos nenhuma relação de causa e efeito entre o crescimento dos recursos técnicos-científicos e o desenvolvimento dos progressos sociais e culturais, como parece evidente que assistimos a uma degradação irreversível dos operadores tradicionais de regulação social.” (Félix Guattari, 1991, p. 30)

E mais à frente ele continua: 

“O capitalismo pós-industrial que, de minha parte, prefiro qualificar como Capitalismo Mundial Integrado (CMI) tende, cada vez mais, a descentrar seus focos de poder das estruturas de produção de bens e de serviços para as estruturas produtoras de signos, de sintaxe e de subjetividade, por intermédio, especialmente, do controle que exerce sobre a mídia, a publicidade, as sondagens etc.” (Félix Guattari, 1991, p. 31)  

E para fechar esta primeira parte:  

“…reencontramos esse mesmo paradoxo lancinante: de um lado, o desenvolvimento contínuo de novos meios técnicos-científicos potencialmente capazes de resolver as problemáticas ecológicas dominantes e determinar o reequilíbrio das atividades socialmente úteis sobre a superfície do planeta e, de outro lado, a incapacidade das forças sociais organizadas e das formações subjetivas constituídas de se apropriar desses meios para torná-los operativos.” (Félix Guattari, 1991, p. 12) 

PRODUÇÃO ARTÍSTICA NA CONTEMPORANEIDADE

Pensando em todas estas problemáticas da atualidade em torno da imagem e do poder imagético, qual seria o papel da arte mediante a elas? Desde sempre, as produções artísticas refletem e imaginam o mundo; e o que muitos artistas fazem é evidenciar, até mesmo exagerar, tais questões em seus trabalhos, se apropriando das esferas tecnológicas a seu favor. Hoje temos uma gama de produções feitas nas redes sociais, com smartphones e inteligências artificiais, o que eu acho uma ótima estratégia, tendo eu mesma feito o mesmo caminho em alguns trabalhos. Mas, para além de pôr em evidência esta realidade, como podemos contorná-la para um caminho que ainda não se apresenta? Creio que hoje nunca foi tão urgente imaginar possibilidades de existências para além do que julgamos conhecer, pensar uma produção em artes que nos permita sonhar novamente, o sonho que é tão banalizado na frieza da vida adulta e no mundo do capital, portanto, sinto que nunca foi tão importante ir em defesa de uma arte que nos possibilite sonhar e desacelerar.  

SUSPENDER O CÉU

Em meados de 2022, iniciei uma série de trabalhos diversos que partem todos desta mesma inquietação: como pensar uma produção que reflita os grandes temas atuais, mas que também possa imaginar para além deles? No emaranhado de leituras em que eu me encontrava, de pensadores contemporâneos e antigos, no vasto acervo de informações que o avanço informático nos dá acesso com facilidade, entre a ansiedade e a depressão de pesquisar, viver e pensar num tempo sem pausas, sem silêncios, que apenas segue num constante ritornelo existencial…, o que me faltava entrou em evidência, que era: parar, respirar o silêncio, sonhar. Nossa maturação para observar nos foi tirada, a geração de hoje padece sobre a incapacidade de fixar imagens e qualquer outra coisa.  

E assim nasce SUSPENDER O CÉU, que veio de um encontro principalmente com os saberes ancestrais dos povos originários, que mesmo tendo descendência, já se fazem muito distantes nos meus hábitos familiares. O trabalho advém desse retorno aos símbolos atávicos de um passado quase já esquecido, em conjunto de diversas poesias, teorias, que me ajudaram a consolidar melhor aquilo que eu precisava dizer.  No mais, convido o espectador a adentrar um sonho coletivo, como ato político e revolucionário. O trabalho acontece na esfera do vídeo arte, onde crio montagens de uma natureza do céu a partir de imagens artificiais, em conjunto de diversas velas coloridas, que filmei durante todo seu processo de queima. Tendo duração de seis minutos, o vídeo mostra todo o caminho de derretimento das velas, nesse lugar imaginado, fazendo alusão ao sonho, sendo a vela o próprio instrumento de conexão e portal para com outras realidades não visíveis. Seguido de uma legenda, que busca induzir o espectador à reflexão proposta, por meio de poesias, saberes ancestrais e teorias…, para trilha sonora, compus uma música sob influência de Brian Eno, precursor da música ambiente, pois creio que a ambiência sonora possui uma gigantesca ambivalência sobre o espírito, que no primeiro plano gera incômodo, nos irrita, mas, no instante em que nos permitimos ser atravessados, envolve magicamente nosso ser.  

Suspender o céu é um termo usado pelo professor e ativista indígena, Ailton Krenak, que faz alusão à tradição ancestral de cosmovisão e celebração da existência em conjunto com a natureza. Faço um recorte especificamente voltado ao sonho. Trato do sonho não apenas como um estado de consciência que ocorre quando dormimos, mas como experiência e tradição, uma forma de nós nos relacionarmos com o mundo e com nós mesmos. Estamos testemunhando rapidamente o fim da vida, em meio a guerras, artifícios tecnológicos, à era digital… pessoas sendo mercadorias, assim como tudo que existe. E por que falar sobre sonhar? Creio que a prática do sonho se faz imprescindível na contemporaneidade, pois “a mudança deve ter início no modo de pensar, e só a partir desse momento, desse momento de liberdade, será possível pensar em mudar o resto”. (Joseph Beuys, p. 315) 

Precisamos sonhar, sonhar para além de mercadorias…, os tempos de hoje têm a urgência de que possamos ser capazes de imaginar e inventar para fora de um colonialismo cultural, incluir o que sabemos com o que ainda não imaginamos, reviver nossos símbolos atávicos/ancestrais. Portanto, faço um convite ao sonho, ao devaneio, ao onírico, à natureza…, à mudança de consciência, pois a partir dela poderemos materializar novas formas de existência. 

Em suma, “compilar uma digestão dos meus sonhos pareceu-me sempre que seria útil à humanidade.” (Fernando Pessoa, 1982, p. 194)

Fig 01: Suspender o céu, 2024, Fonte: frame de vídeo arte. 

Disponível em: <https://youtu.be/XxMqOvyjFv0?si=0hIGVT7dzNflfiqR>

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS  

GIANNOTTI, Marco. ANDY WARHOL OU A SOMBRA DA IMAGEM. SciElo Brasil São Paulo, 2011. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/S1678- 53202004000400008>. Acesso em: 15 de julho de 2024.  

STEYERL, Hito. EM QUEDA LIVRE: UM THOUGHT EXPERIMENT* SOBRE  PERSPECTIVA VERTICAL. E-flux, Berlim, 2011. Disponível em: <https://www.e flux.com/journal/24/67860/in-free-fall-a-thought-experiment-on-vertical-perspective/>. Acesso em: 15 de julho de 2024.  

GUATTARI, Félix. As três ecologias / tradução Maria Cristina F. Bittencourt; revisão  da tradução Suely Rolnik. – 3. Ed. – Campinas, SP : Papirus, 1991.  

CANTANHEDE, Brenda. SUSPENDER O CÉU. 2024. Vídeo arte. Disponível em:<https://youtu.be/XxMqOvyjFv0?si=0hIGVT7dzNflfiqR>  

PESSOA, Fernando. Livro do desassossego – 2. ed. – Jandira, SP: Principis, 2019.  

Seleção e comentários Glória Ferreira e Cecilia Cotrim. Escritos de artistas anos  60/70; [tradução de Pedro Sussekind… et al. ]. – Rio de Janeiro: Zahar, 2006. (John  Cage. O futuro da música, 1974) 

Este ensaio faz parte da série Autores da Torre, do Projeto de extensão Torre de Babel, da Biblioteca José de Alencar (Faculdade de Letras/UFRJ) 

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