“Venom” (vol. 1) e o alcoolismo 

Por Dan Griner

Os quadrinhos de super-heróis existem há mais de 80 anos e diversas histórias já foram contadas, tornando, assim, difícil encontrar algo mainstream que procura apresentar uma perspectiva diferente em algo já tão fixo nas mentes dos fãs. Bom, eu pessoalmente nunca fui fã do personagem do Venom, mas ouvi falar dessa história magistral e decidi dar uma chance. Roteiro por Rick Remender (Deadly Class, Low), acompanhado por Tony Moore (The Walking Dead) e Tom Fowler (Books of Magic, Patrulha do Destino) na arte, esse trio trabalha em uma sinergia que dá a sensação de que um eleva a arte do outro. 

O que diferencia essa história é a comparação ao ser extraterrestre simbiótico, Venom, com o álcool – ressalto que o nome do personagem se traduziria diretamente para veneno, acrescento mais essa camada na analogia.

Em vinte anos, uma enorme trepadeira grudara-se a essa árvore sólida e quase a sufocar. Era difícil dizer onde a árvore terminava e a trepadeira começava. Esta enrolara-se tão completamente em torno da estrutura dos galhos da árvore que suas folhas pareciam à distância ser da árvore. (…) Até estar livre da trepadeira, não há como pensar no que foi perdido. Mas, mesmo depois que desaparece, é possível que sobrem algumas poucas folhas e raízes frágeis, e a reconstrução do eu não pode ser realizada por nenhuma droga existente. (Andrew Solomon em “O demônio do meio-dia – Uma anatomia da depressão”)

Como Solomon descreve no trecho acima, algo como depressão, ou o vício, como elabora em um capítulo mais adiante, não é algo que some. Você pode arrancar todas as trepadeiras que quiser, mas as suas cicatrizes não vão desaparecer, e isso é extremamente frustrante e real. Aí é que encontrei minha surpresa na história – há uma delicadeza rara em se tratar do assunto, e durante os cinco capítulos deste volume acompanhamos o protagonista Flash Thompson em suas aventuras como um agente do governo, em que sua narração interna relata como tem medo do que o Venom pode fazer com ele, mas ao mesmo tempo não quer abrir mão dele, pois durante a guerra teve que amputar as pernas, e o simbiótico lhe permite “andar” com dois pés, ao invés de sua cadeira de rodas. 

É claro, a HQ utiliza os elementos clássicos de uma aventura heróica, com vilões fantasiados e elementos de novela nas relações pessoais, mas tudo isso permite contar uma história de terror, frustração e raiva. O protagonista finalmente se livra do álcool, porém agora segue uma vida dupla com um novo vício: Venom. A partir desta virada é que tudo que apontei se desenvolve, e vemos todos os sinais de depressão e vício, como afastar as pessoas que ama, mudanças de humor repentinas e sumir por dias sem avisar a ninguém. Esse livro é realmente especial por colocar em cena algo raro nesse gênero e, portanto, recomendo para quem quiser se aprofundar nessa realidade do alcoolismo ou simplesmente se aventurar em uma aventura do famoso protagonista.

Esta resenha faz parte da série Autores da Torre, do Projeto de extensão Torre de Babel, da Biblioteca José de Alencar (Faculdade de Letras/UFRJ) 

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