“Vidas Secas”, Graciliano Ramos

Por Gabriel Rodrigues

O livro “Vidas Secas”, escrito por Graciliano Ramos, foi a quarta obra romântica do escritor, publicada entre os anos de 1937 e 1938. A produção esteve presente na segunda fase do modernismo/ fase de estabilização/ fase ideológica (geração de 30) e foi considerada uma das mais bem-sucedidas criações da época, assim como a mais conhecida do autor. 

A narrativa conta a história de uma família de emigrantes nordestinos que foge de uma devastadora seca que está prejudicando a região. Ela é constituída por Fabiano, o pai, a mãe chamada Sinhá Vitória, os dois filhos (sendo eles, o menino mais velho e outro, o mais novo) e por fim, os animais de estimação, a cadela Baleia e um papagaio, que infelizmente, mais tarde, será morto para que sirva de alimento. 

Apesar de seus 13 capítulos não possuírem uma ligação, tornando possível a leitura deles de maneira aleatória, exceto pelo primeiro, denominado “mudança”, que nos mostra as angústias e dificuldades que os personagens da narrativa viviam, fadados a uma vida miserável. E pelo último capítulo, “A Fuga”, que apresenta a retirada da família da fazenda em busca de condições melhores de vida, iniciando um novo ciclo. E para que a história faça sentido, é preciso que a leitura dos dois siga essa ordem, do primeiro para o último. A narrativa é em 3ª pessoa, embora a impressão que fica seja a de que a produção seja narrada em 1ª pessoa por conta do uso de discurso indireto livre em conjunto com algumas falas dos próprios personagens. 

Os protagonistas criados por Graciliano Ramos são pessoas simples e pobres, porém ele decide aprofundá-los bastante, descrevendo bem suas características, e isso faz com que a leitura do texto seja mais rica e diversificada. 

Fabiano, o pai da família, é um homem rude e um tanto bruto, que fala pouco e que se comunica muitas vezes através de grunhidos e, por este motivo, é constantemente confundido com um bicho. Possui um respeito pelas autoridades, apesar de ser um homem irritado e impulsivo. 

Sinhá Vitória é a mãe, que também não é de falar muito, todavia sempre possui uma palavra na ponta da língua. Seu maior desejo é conseguir ter uma cama de armação de couro.

O filho mais novo tem uma grande admiração pelo pai e quer ser igual a ele no futuro. O filho mais velho fica mais perto da mãe porque ela não é tão rude, e queria que sua família fosse mais aberta e comunicativa. Já a Baleia, a cachorra da família, assemelha-se muito a um ser humano e, apesar de não falar, acaba por ser o membro mais comunicativo de toda a família. Ela sente a angústia e a tormenta junto com os outros personagens, que passam por muitas dificuldades. 

Com a leitura do livro, é possível perceber que o compositor desta arte literária quis trazer uma crítica direcionada diretamente ao governo, tendo em vista que estava clara a negligência com a qual ele tratava o sertão nordestino, que até os dias de hoje é uma região muito empobrecida. Também quis denunciar os militares, que cometem maus tratos e humilham a comunidade, já que em um dos capítulos o pai, Fabiano, foi xingado e espancado por um oficial após uma prisão. Além deles, há uma crítica também aos ricos fazendeiros, perceptível já no início do livro, quando a família encontra uma fazenda abandonada e lá decide se estabelecer. Entretanto, o dono da fazenda retorna e, como condição para que os “refugiados” continuem residindo lá, oferece emprego (como um vaqueiro) a Fabiano. Durante esse período é que a família sofre abusos, com condições similares à escravidão, nas mãos do dono da terra onde ela estava morando. 

Infelizmente, os problemas de Fabiano não se resumiam apenas aos maus-tratos que sofria, mas também por conta de sua própria formação, que era deficitária. O homem dificilmente conseguia formar frases e raciocinar e isso, às vezes, atrapalhava sua vida e contribuía para a formação de um homem muito submisso e de atitudes passivas. Por essa razão, ele chega a se questionar se é um homem ou bicho. 

Chega a ser interessante a forma inusitada com que Graciliano Ramos constrói os personagens ao longo de seu livro. Personagens humanos assumem características análogas às de animais (a brutalidade do pai Fabiano), enquanto animais agem melhor que humanos: a cadela Baleia tem sonhos, apresenta aspectos humanos e salva a família da fome no começo. Arrisco dizer que, além de ser uma figura dócil, o capítulo de sua morte foi um dos mais emocionantes de toda a obra. 

Na parte final, a situação em que se encontra o enredo é a mesma, com Fabiano e sua família ainda à procura de um lugar melhor para se viver. Isso fez perceber que a vida de quem mora no Sertão do Nordeste e, infelizmente, tem de enfrentar grandes estiagens, é um ciclo que nunca terá um fim, é vicioso. 

Com a interpretação dessa obra, podemos refletir sobre essa grave e infeliz realidade que perdura até os dias de hoje por conta dos descasos de vários agentes que o compositor resolveu criticar nessa obra literária. Devido a isso, podemos classificá-la como atemporal e compreender o motivo da grande admiração existente que as pessoas têm por Graciliano Ramos. 

O livro e a prosa de 30; 
“Vidas Secas” é um ótimo exemplar da segunda fase do modernismo, também conhecida como fase ideológica. Sendo ele um romance regionalista, o uso da literatura nacional fez com que o autor procurasse inspiração no lugar de onde veio. Graciliano Ramos, que é alagoano, usou o sertão nordestino como espaço, aliado a expressões que dão mais proximidade para o leitor, o que é uma das características do regionalismo. 

Outra característica da segunda fase do modernismo que se faz presente no texto é a clara denúncia ao subdesenvolvimento das mazelas sociais do Nordeste, como a seca e a fome que os nordestinos têm de enfrentar.

Esta resenha faz parte da série Autores da Torre, do Projeto de extensão Torre de Babel, da Biblioteca José de Alencar (Faculdade de Letras/UFRJ)

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *